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Natural de Salvador, Bahia (16/03/1968). Formado pela Escola de Administração da UFBA (2004). Cursando Direito na UNIRB. Solteiro.

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sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Os cuidados que devemos ter com as grandes reservas de minérios, petróleo e gás do Brasil


 
01/12/2011

Desde os escritos de Guimarães Rosas já se propalava a existência de gás natural na região (do centro de Minas Gerais até as divisas com a Bahia e Goiás).

Mas pelo que se depreende do texto não existem pesquisas ou estudos técnicos que comprovem o seu potencial econômico. Entretanto, a Petrobrás e empresas privadas estão acreditando e investindo atualmente em perfurações naquela região. 
Indícios mostram que depósitos podem equivaler a metade de todo o gás natural existente no Brasil...
A barragem da hidrelétrica de Três Marias isolou a cidade de Morada Nova de Minas da BR-040, a principal artéria econômica da região central de Minas Gerais.

Morada Nova de Minas é uma daquelas cidades que parecem viver um eterno domingo. Nas ruas, sempre poucas pessoas e carros preguiçosos param a cada esquina, como que em respeito a sinais de trânsito imaginários. Nas praças, raros são os momentos nos quais há crianças barulhentas o suficiente para quebrar o silêncio, a trilha sonora dessa cidade a 280 km ao Norte de Belo Horizonte. Há quase 60 anos isolada da artéria econômica da região central de Minas Gerais – a rodovia BR-040 – pela construção da barragem da hidrelétrica de Três Marias, à primeira vista, Morada Nova parece ser uma cidade fadada a ser assim, meio triste, meio decadente e sem grandes perspectivas.

Na praça principal de Morada Nova, o silêncio e o vazio fazem as honras numa segunda-feira.

Mas calmaria típica de uma manhã de segunda-feira esconde o rápido curso de uma revolução com potencial para mudar para sempre não só o destino da pacata Morada Nova, como também o de dezenas de municípios mineiros e do próprio estado em si. Foi ali, a poucos quilômetros da igreja que homenageia Nossa Senhora de Loreto, a padroeira local, que em agosto deste ano fez-se a primeira descoberta concreta e volumosa de gás natural em Minas Gerais.Apenas em um poço, a Orteng, uma empresa privada que vem procurando gás na região há mais de dois anos em parceria com o governo mineiro, diz ter encontrado algo entre 175 bilhões e 195 bilhões de metros cúbicos de gás natural, o que permitiria uma extração diária de cerca de 6 milhões de metros cúbicos pelos próximos 25 anos. Na prática isso significa que, se as previsões da companhia estiverem certas, apenas de um poço será possível extrair 20% do que o Brasil importa da Bolívia todos os dias para abastecer indústrias, usinas térmicas de energia, lares e carros país afora.
Crescimento constante
Em dez anos as reservas provadas de gás quase dobraram no Brasil (em bilhões de metros cúbicos) ANP

“Com as informações que levantamos até o momento, temos indicativos muito bons de que de fato esse volume estará disponível para exploração, mas ainda precisamos de mais pesquisas para podermos usar a palavra certeza”, diz Frederico Macedo, gerente de Óleo e Gás da Orteng. “Mas não há dúvida de que temos hidrocarbonetos lá”. Hoje o Brasil tem um volume de reservas provadas de 417 bilhões de metros cúbicos de gás natural e as descobertas da Orteng ainda precisam de mais dados para entrar nessa conta.

Gás que vaza da terra

Mas se forem confirmadas essas estimativas, é um volume de gás espantoso para apenas uma perfuração, representando quase 50% de todo o gás que já foi descoberto no Brasil. Pesquisas indicam que pode haver concentrações de gás em uma área que se estende desde o centro do Estado até quase a divisa de Minas Gerais com a Bahia e com Goiás. Tecnicamente, trata-se da Bacia do São Francisco, uma região em que desde antes das caminhadas de Guimarães Rosa por seus sertões e veredas se aventa possibilidade de haver gás.

Às margens do rio São Francisco, fenômenos relacionados ao gás são comuns e antigos

O próprio Guimarães em Grande Sertão Veredas já fazia menção dos indícios de que aquela região de Minas havia o que hoje os especialistas chamam de hidrocarbonetos. “Em um lugar, na encosta, brota do chão um vapor de enxofre, com estúrdio barulhão, o gado foge de lá, por pavor”, escreveu o autor ainda nas primeiras páginas de seu livro mais famoso. Nas pequenas cidades por onde Guimarães passou, até hoje os sertanejos tem causos e lendas a contar envolvendo o gás. Como Marcolino Ferreira, gari da cidade de Buritizeiro, que garante ter visto seu pai cozinhar peixe na beira do rio com o gás que brota da terra. “Lá na localidade de Remanso do Fogo é assim, o gás vaza do chão”, conta ele.

Vídeo mostra como o gás brota da terra em Buritizeiro

Por conta disso e de indícios menos empíricos, a Agência Nacional de Petróleo já licitou – e encontrou compradores – quase 40 blocos de exploração em uma área ( de milhares de quilômetros quadrados) do Estado de Minas Gerais (?). Nesse momento sete empresas brasileiras e estrangeiras, entre elas as gigantes Petrobrás, Shell e Vale, estão perfurando ou se preparando para perfurar poços de exploração em meia dúzia de municípios mineiros.

Perfurações em busca de gás já estão ocorrendo em ao menos três municípios do sertão de Minas Gerais.

Além de Morada Nova de Minas, já foram encontrados indicativos de concentrações volumosas de gás em outras duas cidades do Norte do Estado – Brazilândia de Minas e Corinto. A expectativa do governo de Minas Gerais é de que os investimentos apenas em prospecção passem dos R$ 1,2 bilhão nos próximos anos.

Até agora, no entanto, com exceção de Morada, ainda não se sabe exatamente o volume e se há viabilidade econômica para a extração nesses municípios. “É cedo ainda para cravar se teremos um volume que seja suficiente para impactar a matriz energética do Brasil, como há quem diga por ai”, diz Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE). “Mas não há como negar que estamos diante de perspectivas muito, muito animadoras”.

Enquanto especialistas, como Pires, e empresas, como a Petrobrás, que encontrou gás em Brazilândia mas ainda não definiu se há de fato viabilidade econômica para explorá-lo, primam pela cautela, nas cidades que formam a Bacia do São Francisco o clima é de euforia. “É a nossa redenção, graças a Deus encontramos o gás”, diz Nilton Ferreira, prefeito de Corinto, já se adiantando às pesquisas que confirmarão ou não a viabilidade econômica das descobertas iniciais que a Petra, a empresa que está explorando a região, já fez.

Redenção para a decadência

Corinto, como quase todas as cidades da região, vive tempos de decadência econômica e poucos empregos. “Desde que a Rede Ferroviária Federal foi privatizada e um centro de manutenção que tínhamos aqui foi desativado, nada mais surgiu”, diz Ferreira, que, entre uma informação e outra, faz questão de lembrar a todo o tempo que a ex-prefeita da cidade e sua inimiga política usou de forma, segundo ele, desleal, seus dotes físicos na campanha. “Ela é jovem, usava saias curtas, pernas a mostra na periferia, essas coisas”, conta ele, quase cochichando em seu gabinete.

Assim como em Morada Nova de Minas, em Corinto é a prefeitura quem provê a maior parte dos empregos da cidade e depende diretamente dos repasses federais e municipais para se sustentar. É lá também que se concentram as maiores expectativas de que uma nova descoberta de vulto possa surgir em breve. A Petra, uma empresa brasileira que já investiu mais de R$ 200 milhões na Bacia do São Francisco e detém 24 blocos para exploração ali, anunciou em julho à ANP que encontrou gás no poço que está perfurando em Corinto. A sonda utilizada pela companhia já atingiu a profundidade de 1,5 mil metros, mas a Petra diz que ainda precisa fazer pesquisas mais aprofundadas para determinar qual a quantidade de gás existente ali. “Mas não há dúvida que há gás, e em grande pressão”, diz Ana Bizzotto, gerente de comunicação da companhia.


Um sheik no sertão
Na cidade, é claro, não se fala em outra coisa. E antes mesmo de começar a extrair o gás, Corinto já ganhou até um sheik. Trata-se do Sheik Dalmásio, um comerciante de 75 anos, dono do único bar da acanhada rodoviária de Corinto, em cuja as terras a Petra está perfurando seu primeiro poço na região. Atrás do balcão de madeira em que comanda seu bar há 35 anos, Pedro Dalmásio, o Sheik de Corinto, é só sorrisos. “Agora não deixam eu jogar na megasena, dizem que já fui sorteado”, conta, rindo do chiste que andam fazendo com ele pelas ruas da cidade.

Conta-se por lá que a Petra paga a Dalmásio cerca de R$ 10 mil para que utilize suas terras, uma fazendola árida na área rural de Corinto, onde o comerciante cria algumas dezenas de vacas. Tanto ele quanto a empresa negam os valores e, com o sucesso súbito, Sheik agora anda com um discurso mais sóbrio. “Eu não ganhei nada, eu quero é que Corinto ganhe”, diz ele. Indagado se tanto desprendimento o faria vender o pedaço de terra, Sheik abandona a mineirice e é incisivo: “mas por nada nesse mundo, moço”.

Conheça o Caminho do Fogo
Ao longo da MG-161, uma estrada de terra no sertão mineiro, o gás brota nos rios e a água dos poços artesianos se incendeia com um simples palito de fósforo

No Remanso do Fogo, gás exalado do poço artesiano forma labaredas de até um metro.

A MG-161 é uma estrada de terra bastante esburacada bem típica do interior de Minas Gerais. Com pouco movimento, seus 120 quilômetros iniciais ligam a cidade de Buritizeiro ao distrito de Cachoeira do Manteiga, uma comunidade rural às margens do Rio São Francisco onde vivem cerca de 3 mil pessoas.
Nesse trecho, com as plantações de eucalipto tomando conta do cerrado à sua volta, a MG-161 seria apenas mais uma estradinha maltratada não fosse o fato ser o caminho para se chegar aos únicos lugares do sertão mineiro onde o gás brota da terra e as águas pegam fogo.

Conhecida como Caminho do Fogo, a MG-161 espalhou fama no sertão e as histórias dos estranhos fenômenos que ocorrem à sua volta ganharam estatus de lendas. Mesmo bem longe dali, há quem diga que em dias muito secos, sabe-se lá como, a água entra em combustão e que de vez em quando algum sertanejo morre ao cavar uma fossa ou um poço, intoxicado pelo gás.Não à toa, essa região que fica entre o Rios Paracatu e São Francisco tem o nome de Remanso do Fogo.

Ainda não existem registros oficiais de mortes ou rios incandescentes por ali, mas foi por causa de uma série registros de exsudação de gás (o nome técnico de quando o gás “vaza” da terra) em diferente localidades ao longo da MG-161 que a Petrobrás iniciou as pesquisas em busca do combustível na região na década de 70. Foi com base nessas pesquisas que foram identificados indícios de hidrocarbonetos na Bacia do São Francisco e a consequente licitação dos blocos para exploração, que estão ocorrendo agora.

Na fazenda Pé do Morro, uma propriedade de seis mil hectares localizada na beira da MG-161, o gás apareceu quando se perfurava um simples poço artesiano de 60 metros de profundidade. “A máquina estava furando quando de repente pegou fogo, ninguém entendeu nada”, conta Juvercino Ferreira, o administrador da propriedade. Assim que a água brotou do solo, percebeu-se que algo não estava certo. “Tinha um gosto de enxofre, cheirava igual ovo podre”, lembra o capataz.

Hoje o pequeno poço artesiano alimenta um reservatório que serve para dar água ao gado e entreter os visitantes. O fluxo de água que vem do poço artesiano é sempre cortado pelo gás. Basta um simples palito de fósforo próximo à agua para que uma labareda de quase um metro se forme. “Tivemos que isolar essa área porque caçadores passam a noite aqui assando as caças com o gás”, conta Juvercino. "Ficamos com medo de incendiar tudo".

Bem perto dali, um assentamento do Movimento Sem Terra com 70 famílias sofre com o que parece ser excesso de gás. Cinco poços artesianos já foram perfurados em busca de água para abastecer os acampados, mas nenhum deles vingou. “É água com gás, não da pra beber”, conta César Pereira, acampado há cinco anos ali. “Nossa salvação é o exército, que a cada três dias abastece nossas caixas e latões com água potável”.

Por ironia do destino, o bloco licitado pela ANP na cidade de Buritizeiro não tem data para começar a ser explorado. De acordo com a Petrobrás, as pesquisas iniciais por ali indicam que o acúmulo de gás é muito disperso, o que explicaria, até, os “vazamentos” nos rios e poços.


Com as poços artesianos contaminados com gás e enxofre, moradores de assentamento dos Sem Terra em Buritizeiro dependem do exército para ter água potável.


O comentarista Mário Assis nos envia uma entrevista do professor Ildo Sauer, diretor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo, concedida a Pedro Estevam da Rocha Pomar e Thaís Carrança, da revista da Associação dos Docentes da USP. Considerado um dos maiores especialistas em energia do país, ex-diretor da Petrobras no primeiro governo Lula, Sauer conta como foi descoberto o Pré-Sal e denuncia o lobby feito por José Dirceu para entregar a Eike Batista a maior parte das reservas.

Ildo Sauer

Não acredito que o regime capitalista tenha condições, sem se aprofundar numa crise mais violenta do que a que já viveu até hoje, de abrir mão dos recursos remanescentes do petróleo. A população era de 700 milhões de habitantes em1750. A Era do Carvão a elevou para 1,7 bilhão, com o incremento extraordinário da produtividade do trabalho social.

A Era do Petróleo praticamente se aprofunda de1910 a 1920, e é hegemônica ainda até agora, como processo de incremento extraordinário da produtividade do trabalho e da circulação de mercadorias, no âmbito industrial, urbano e de circulação, conquanto a eletricidade foi mais para alguns tipos de fábrica e algumas coisas do ambiente urbano.

Lenin dizia que socialismo é soviete mais eletricidade. Ele tinha razão porque a eletricidade chegando, a produtividade do trabalho aumentava, saía-se da era de quase caçador e coletor, pré-revolução agrícola, para uma era pós. Então não há que desprezar o que aconteceu na União Soviética em termos de fenômeno de produção. Incremento extraordinário com apropriação social da energia.

A apropriação do petróleo pelo capitalismo para incrementar a produtividade do trabalho fez a população pular de 1,7 bilhão, em 1910, para 7 bilhões de pessoas, 100 anos depois. Produz-se em escala sem precedentes, circula-se em escala sem precedentes. O PIB mundial hoje é de US$ 60 trilhões, mais ou menos; o excedente econômico do petróleo sozinho é US$ 3 trilhões. Hoje um barril custa menos de US$ 10, vale mais de US$ 100. Produzem-se hoje 85 milhões de barris por dia, que dá uns 30 bilhões de barris por ano.

O excedente é US$ 100 por barril, vezes 30 bilhões, isso dá US$ 3 trilhões por ano, que é um excedente econômico disputado com todas as armas para incrementar a acumulação capitalista. Isto é produção de valor sem alocar trabalho de capital, é o chamado lucro suplementar. Então se invade o Iraque, se ameaça a Venezuela, se cria a 4ª Frota para vigiar o Atlântico Sul quando o Pré-Sal brasileiro vai até300 kmmar adentro e não é reconhecido que isso é mar territorial pelos países.

Os Estados Unidos têm 30 bilhões de barris de reservas: dá para três anos se eles quiserem produzir seu próprio petróleo, consumindo cerca de 9 bilhões/ano. O capitalismo mundial não consegue operar sem o petróleo, por esses atributos. Substituir o petróleo significa gastar muito mais trabalho, muito mais capital, para fazer a mesma produção. Quando o mundo de hoje precisaria, se fosse possível pensar utopicamente, satisfazer as necessidades dos 2 bilhões de famintos que vivem abaixo da linha de pobreza, dos outros 2 bilhões de remediados; significa que deveríamos produzir mais, portanto incrementar a produtividade industrial do trabalho, mas, acima de tudo, redistribuir melhor o produto social do sistema econômico. Esse é o dilema. Isso evidentemente agrava a questão ambiental global da biosfera. Só que eu não vejo saída, a não ser uma saída gradual.
Não é possível imaginar, como muitos da sustentabilidade vulgar fazem crer, que os processos são circulares, que retornam sempre ao mesmo ponto. A história só anda para frente, é um processo dialético permanente de rupturas e mudanças. Achar que o mar sempre vai ser do mesmo jeito, a atmosfera, é ilusão. E aí, como é que eu coloco o Pré-Sal nessa história? Primeiro, que a demanda mundial de petróleo vai ser satisfeita, independentemente de com que recursos, ou vai ser substituído por coisas piores como carvão liquefeito, por um processo Fischer-Tropsch.

Você usa carvão para separar a molécula da água em hidrogênio e oxigênio, combina os hidrogênios com carbono e faz qualquer cadeia de combustível, que pode ser GLP, pode ser gás natural, pode ser gasolina, pode ser querosene, pode ser óleo combustível. Quanto custa? US$ 80, que aliás é o preço diretor, o preço social de produção da energia. Marx já previa isso, ele estava correto. É o carvão que determina o preço do petróleo, porque ele é o único substituto em escala global.

Então, do ponto de vista da apropriação da renda absoluta, renda diferencial, todos aqueles que controlam o oligopólio do petróleo não abrem mão dele, a não ser pelo seu preço social alternativo, que é dado pelo preço social de produção do carvão, que seria a alternativa em escala mundial, capaz de satisfazer as necessidades energéticas. Talvez no futuro, se a tecnologia evoluir muito, podem ser os renováveis, ou então a nuclear. Porque o bolsão de petróleo remanescente convencional hoje é de cerca de 1,8 trilhão de barris. Nós estamos consumindo hoje 30 bilhões de barris por ano, portanto teria, teoricamente, [estoque para] 60 anos.

No entanto, nesse quadro, eu não vejo como se poderá abrir mão do petróleo. Ainda que fosse um desejo de apropriar mais energia renovável, aumentar a produtividade dos sistemas tecnológicos que apropriam energia do sol, o recurso menos disponível na Terra é o do petróleo. Energia natural não falta. Aquela que é disputada é a que permite maior excedente econômico, especialmente aquela que gera o lucro suplementar tão grande quanto é o petróleo hoje. Não há nada que se compare.
Mesmo num sistema socialista, se eu me lembro bem do que disse o Lenin, também não se poderia abrir mão daqueles recursos que permitem produzir mais com menos trabalho, para satisfazer mais necessidades, ao invés de só acumular e botar no balanço das empresas, que é o que o capitalismo faz — essa é a grande diferença.

No entanto, nesse quadro, é absolutamente inaceitável o modelo que foi aprovado, depois que o Pré-Sal foi confirmado, em 2005, quando se furou o poço de Paraty. No poço de Paraty, debaixo do sal, havia petróleo, confirmando uma suspeita de três, quatro décadas. Em 2005 foi Paraty, em 2006 Tupi chegou.

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Dirceu, Eike e o Pré-Sal


Agradecendo ao comentarista Mario Assis, que nos enviou a matéria, publicamos hoje a segunda parte da importantíssima entrevista do professor Ildo Sauer, diretor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo, concedida aPedro Estevam da Rocha Pomar e Thaís Carrança, da revista da Associação dos Docentes da USP (Adusp).

Considerado um dos maiores especialistas em energia do país, ex-diretor da Petrobras no primeiro governo Lula, Sauer conta como foi descoberto o Pré-Sal e denuncia o lobby feito por José Dirceu para entregar a Eike Batista a maior parte das reservas.

Revista Adusp: Você ainda estava na Petrobras, quando o Pré-Sal foi descoberto?

Ildo Sauer - Eu ajudei a tomar essa decisão. Nós tomamos essa decisão, não sabíamos quanto ia custar. O poço de Tupi custou US$ 264 milhões, para furar os 3 km de sal e descobrir que tinha petróleo. O Lula foi avisado em 2006 e a Dilma também, de que agora um novo modelo geológico havia sido descoberto, cuja dimensão era gigantesca, não se sabia quanto. 

Então, obviamente, do ponto de vista político, naquele momento a nossa posição, de muitos diretores da Petrobras, principalmente eu e Gabrielli, que tínhamos mais afinidade política com a proposta do PT de antigamente, a abandonada, achávamos que tinha que parar com todo e qualquer leilão, como aliás foi promessa de campanha do Lula.

Na transição, ainda a Dilma falou, “não vai ter mais leilão”. Mas se subjugaram às grandes pressões e mantiveram os leilões. Fernando Henrique fez quatro, Lula fez cinco. Lula entregou mais áreas e mais campos para a iniciativa privada do petróleo do que Fernando Henrique.

Um ex-ministro do governo Lula e dois do governo FHC foram assessorar Eike Batista. O que caberia a um governo que primasse por dignidade? Cancelar o leilão. Por que não foi feito? Porque tanto Lula, quanto Dilma, quanto os ex-ministros, estavam nessa empreitada”.

Revista Adusp: Mas Gabrielli era contra e acabou concordando?

Ildo Sauer - Não. A Petrobras não manda nisso, a Petrobras é vítima, ela não era ouvida. Quem executa isso é a ANP [Agência Nacional do Petróleo], comandada pelo PCdoB, e a mão de ferro na ANP era da Casa Civil. Então a voz da política energética era a voz da Dilma, ela é que impôs essa privatização na energia elétrica e no petróleo. Depois do petróleo já confirmado em 2006, a ANP criou um edital pelo qual a Petrobras tinha limitado acesso. 

Podia ter no máximo 30% ou 40% dos blocos, necessários para criar concorrência. Porque, em 2006, Tupi já havia sido furado e comunicado. O segundo poço de Tupi, para ver a dimensão, foi feito mais adiante, esse ficou pronto em 2007. Só que o Lula e a Dilma foram avisados pelo Gabrielli em 2006.

Muitos movimentos sociais foram a Brasília, nós falávamos com os parlamentares, os sindicatos foram protestar. O Clube de Engenharia, que é a voz dos engenheiros, mandou uma carta ao Lula, em 2007, pedindo para nunca mais fazer leilão.

Em 2005-6, o [Rodolfo] Landim, o queridinho do Lula e da Dilma, saiu da Petrobras. Porque o consultor da OGX, do grupo X, do senhor [Eike] Batista, era o ex-ministro da Casa Civil (José Dirceu), e ele sugeriu então que Eike entrasse no petróleo. Aí ele contratou o Landim, que começou a arquitetar. 

Como o centro nevrálgico da estratégia da Petrobras é a gerência executiva de exploração, o geólogo Paulo Mendonça, nascido em Portugal, formado aqui na USP, e o Landim, articularam para em 2007 criar uma empresa nova, a partir dos técnicos da Petrobras. E o senhor Batista queimou alguns milhões de dólares para assinar os contratos e dar as luvas desses novos cargos, que estavam dentro da Petrobras mas, desde que o Landim foi trabalhar com o senhor Batista, ele já estava lá para arrancar de dentro da Petrobras esses técnicos.

Aí chegou o fim de 2007, todos nós pressionando para não ter mais leilão, o Lula tira 41 blocos… Mas vamos voltar a 2006. Em 2006, quem anulou o leilão foi a Justiça, por discriminação contra a Petrobras fazer essas coisas. Ouvi isso da Jô Moraes, num debate na Câmara dos Deputados.

Só que aí se criou o seguinte imbróglio: um ex-ministro do governo Lula e dois do governo Fernando Henrique, Pedro Malan e Rodolpho Tourinho, foram assessorar o Eike Batista. Ele já tinha gasto um monte para criar sua empresa de petróleo. Se o leilão fosse suspenso, ele ia ficar sem nada, e já tinha aliciado toda a equipe de exploração e produção da Petrobras.

O que caberia a um governo que primasse por um mínimo de dignidade para preservar o interesse público? Cancelar o leilão e processar esses caras que saíram da Petrobras com segredos estratégicos. Por que não foi feito? Porque tanto Lula, quanto Dilma, quanto os ex-ministros, os dois do governo anterior e um do governo Lula, estavam nessa empreitada.

Revista Adusp: Quem era o ex-ministro?

Ildo Sauer - O ex-chefe da Casa Civil, antecessor de Dilma.

Revista Adusp: José Dirceu?

Ildo Sauer - É, ele foi assessor do Eike Batista, consultor. Para ele, não era do governo, ele pegou contrato de consultoria, para dar assistência nas negociações com a Bolívia, com a Venezuela e aqui dentro. Ele [Dirceu] me disse que fez isso. Do ponto de vista legal, nenhuma recriminação contra ele, digamos assim. Eu tenho (recriminação)contra o governo que permitiu se fazer.

E hoje ele [Eike] anuncia ter 10 bilhões de barris já, que valem US$ 100 bilhões. Até então, esse senhor Batista era um milionário, tinha cerca de US$ 200 milhões. Todo mundo já sabia que o Pré-Sal existia, menos o público, porque o governo não anunciou publicamente. As empresas que operavam sabiam, tanto que a Ente Nazionale Idrocarburi D’Italia (ENI) pagou US$ 300 milhões por um dos primeiros poços leiloados em 2008. 

Três ou quatro leilões foram feitos quando o leilão foi suspenso pela justiça. Até hoje, volta e meia o [ministro] Lobão ameaça retomar o leilão de 2008, 2006. A oitava rodada. Para entregar. Tudo em torno do Pré-Sal estava entregue naquele leilão.No leilão seguinte, o governo insiste em leiloar. E leiloou. E na franja do Pré-Sal é que tem esse enorme poderio.
Como é que pode? A empresa dele (Eike) foi criada em julho de 2007. Em junho de 2008 ele fez um Initial Public Offering, arrecadou R$ 6,71 bilhões por 38% da empresa, portanto a empresa estava valendo R$ 17 bilhões, R$ 10 bilhões dele. 

Tudo que ele tinha de ativo: a equipe recrutada da Petrobras e os blocos generosamente leiloados por Lula e Dilma. Só isso. Eu denunciei isso já em 2008. Publicamente, em tudo quanto é lugar que eu fui, eu venho falando para que ficasse registrado antes que ele anunciasse as suas descobertas. Porque fui alertado pelos geólogos de que lá tinha muito petróleo.

Foi um acordo que chegaram a fazer, numa conversa entre Pedro Malan, Rodolpho Tourinho e a então ministra-chefe da Casa Civil (Dilma), em novembro, antes do leilão. O Lula chegou a concordar, segundo disse o pessoal do MST e os sindicalistas, em acabar com o leilão.

Mas esse imbroglio, de o empresário ter gasto dezenas de milhões de dólares para recrutar equipe e apoio político nos dois governos fez com que eles mantivessem… Tiraram o filé-mignon, mas mantiveram o contra-filé. O contra-filé é alguém que hoje anuncia ser o oitavo homem mais rico do mundo.

E tudo foi mediante essa operação no seio do governo. Contra a recomendação dos técnicos da Petrobras, do Clube de Engenharia, do sindicalismo. Foi a maior entrega da história do Brasil. O ato mais entreguista da história brasileira, em termos econômicos. Pior, foi dos processos de acumulação primitiva mais extraordinários da história do capitalismo mundial. Alguém sai do nada e em três anos tem uma fortuna de bilhões de dólares.

A Petrobras durante a vida inteira conseguiu descobrir 20 bilhões de barris de petróleo, antes do Pré-Sal. Este senhor, está no site da OGX, já tem 10 bilhões de barris consolidados. Os Estados Unidos inteiros têm 29,4 bilhões de barris. Ele anuncia que estará produzindo, em breve, 1,4 milhão de barris por dia — o mesmo que a Líbia produz hoje.

É esse o quadro. Ou a população brasileira se dá conta do que está em jogo, ou o processo vai ser o mesmo de sempre. Do jeito que foi-se a prata, foi-se o ouro, foram-se as terras, irão também os potenciais hidráulicos e o petróleo, para essas negociatas entre a elite. 

O modelo aprovado não é adequado. Mantém-se uma aura de risco sem necessidade, para justificar que o cara está “correndo risco”, mas um risco que ele já sabe que não existe.

Qual é a nossa proposta? Primeiro, vamos mapear as reservas: saber se temos 100 bilhões, 200 bilhões, 300 bilhões de barris. Segundo, vamos criar o sistema de prestação de serviço: a Petrobras passa a operar, recebe por cada barril de petróleo produzido US$ 15 ou US$ 20, e o governo determina o ritmo de produção. 

Porque há um problema: a Arábia Saudita produz em torno de 10 milhões de barris, a Rússia uns 8 milhões de barris, depois vêm os outros, com2 a4 milhões de barris por dia: Venezuela, Iraque, Irã. O Eike Batista anuncia a produção de 1,4 milhão de barris, a Petrobras anuncia 5 milhões de barris e pouco. Significa que o Brasil vai exportar uns 3 ou 4 milhões de barris. Já é o terceiro ator. Não se pode fazer mais isso.

Informações disponibilizadas por Márcio Dayrell Batitucci.

O Brasil precisa repensar o seu modelo nacional de desenvolvimento e estar preparado para defender as suas riquezas, o seu território e a sua população. 
E ISSO JÁ DEVERIA ESTAR SENDO DISCUTIDO HÁ ANOS E SENDO POSTO EM PRÁTICA.

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