O ESTÁDIO OTÁVIO MANGABEIRA
Enquanto a nossa Cidade do São Salvador vem sendo desfigurada pela incompetência e falta de amor dos seus quadros dirigentes, o Estado da Bahia, que a tem como Capital, vem sendo aos poucos criminosamente espoliado de símbolos caros da sua "personalidade", da sua "bahianidade".
O primeiro atentado, já consumado, foi a mudança do nome do seu aeroporto, que ao ser ampliado e ter sido tornado internacional, perdeu o nome de "Dois de Julho" para receber o nome de um político recém falecido.
Independentemente dos méritos do homenageado, o povo bahiano teima em não esquecer o nome "Dois de Julho" e o que significou essa data para a Bahia e para o país, 189 anos após as lutas heróicas que consolidaram a Independência do Brasil em relação ao seu antigo colonizador.
Outros atentados foram perpetrados, felizmente sem êxito, a criação do Estado de santa Cruz, idéia já abandonada, e a criação do Estado do São Francisco, ainda em gestação por maus bahianos e alienígenas oportunistas.
Agora, porém, mais um crime vem sendo gestado, sob a complacência, cumplicidade ou desídia, do Governo do Estado da Bahia.
Ao derrubar e reconstruir o Estádio Otávio Mangabeira, na Fonte Nova, com participação público-privada, o Consórcio Construtor, vem omitindo o nome verdadeiro do estádio, para lhe designar com um nome com "feição mais moderna", o nome de ARENA FONTE NOVA, que lembra os nomes de outros estádios em países estrangeiros, que incorporaram um novo conceito de arena esportiva com mix de empreendimentos comerciais no seu interior e no seu entôrno.
Desconhece esse consórcio, talvez propositalmente, que o Estádio Otávio Mangabeira foi assim nomeado por decreto estadual, ainda não revogado, há mais de 60 anos, quando foi inaugurado e só tinha ainda o seu anel inferior.
Mesmo na década de 70 do Seculo passado, quando foi ampliado no Governo de Luis Viana Filho, não teve o seu nome trocado, de forma oportunista, para homenagear algum politico prestigiado da época. O decreto estadual que criou a Vila Olímpica da Bahia com a inclusão do Centro Esportivo Antonio Balbino (o Balbininho) manteve o antigo nome para o estádio.
Luis Viana Filho, apesar de ter nascido em Paris, foi além de excelente historiador, um bom cidadão bahiano ao respeitar a figura de Otávio Mangabeira, um ex-Governador que em uma de suas maiores obras, o Forum de Nazaré, em Salvador, o batizou com o nome do bom bahiano, Rui Barbosa, tendo assim também uma atitude de respeito à nossa história.
Necessário se faz que se deflagre um movimento que homenageie a memória do Governador Otávio Mangabeira, e que pode congregar a Escola Politécnica, seus ex e atuais alunos, o Instituto Histórico e seus associados, os educadores bahianos admiradores de Anísio Teixeira, que teve seu projeto educacional viabilizado em Salvador com a construção do conjunto de Escolas Parque, (precursora dos CIEPS de Leonel Brizola), Fundação Pedro Calmon, Fundação Casa de Jorge Amado, o IRAE, seus admiradores, o povo em geral, e a mídia impressa.
Apesar de me ter inspirado essa proposição, se eu fosse falar sobre Otavio Mangabeira por conhecimento próprio, teria muito pouco a dizer, herdeiro apenas que fui de sua geração.
Repetiria sómente os comentários ouvidos nos corredores da nossa Escola Politécnica, quando se questionava quais tinham sido os mais brilhantes engenheirandos que haviam passado por lá, e seu nome era sempre lembrado com admiração.
Otávio Mangabeira tinha sido, até aquela época, o seu mais brilhante aluno, cuja média final do curso nunca havia sido superada. (Igualada ou ombreada, se citava às vezes o nome de Otamar Pinto Marques.)
Tomamos assim emprestada a palavra emocionada do escritor Jorge Amado em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, quando sucedeu e homenageou a Otavio Mangabeira. O escritor de "Terras do Sem Fim", na época militante de esquerda, prestava honras e fazia justiça ao militante da democracia.
"Elogio de Otávio Mangabeira (por Jorge Amado)
Falar sobre Otávio Mangabeira seria fácil para mim, seu admirador e seu amigo, não me tomasse o peito a emoção da ternura e da saudade. Bem o conheci; honrou o político ilustre, com sua amizade, ao escritor jovem da sua terra pelos idos de 30, quando a revolução veio tirá-lo do Ministério do Exterior para o exílio. Exílio que se repetiria, como as ameaças de prisão e o ostracismo. Porque a vida de Otávio Mangabeira foi uma única batalha, ininterrupta, pela liberdade, pelos direitos do homem, pela democracia brasileira, pela moralidade dos governantes. Poucos homens tão íntegros e coerentes possui nossa vida, e poucos baianos tão conseqüentes em sua condição de baianos quanto este mestre da oratória e da habilidade parlamentar, esse administrador de raras qualidades, esse homem de imensa doçura pessoal.
Se a política nos roubou o escritor que ele poderia ter sido, nos proporcionou o espetáculo magnífico de um dos maiores tribunos da história parlamentar brasileira. A elegância da forma, a pureza da linguagem, a clareza do pensamento, e, sobretudo, a constante fidelidade aos ideais democráticos, à liberdade, fizeram dele, como bem observou Afrânio Coutinho, "a personificação da arte da palavra". Fui seu colega na Câmara dos Deputados e era sempre com renovada alegria que o via subir à tribuna, com certa solenidade na figura e certa gravidade nos gestos precisos, alegria a crescer em puro deleite intelectual ao ouvi-lo, em afirmações das quais por vezes eu discordava, mas ditas de tal maneira que era impossível deixar de admirá-las. Foi o último dos grandes oradores de certa fase de nossa vida política. Hoje a oratória dos comícios e mesmo da tribuna parlamentar perdeu certa unção quase sagrada, certa grandeza de forma e de aspecto, certa magnificência, para ganhar maior vivacidade, colocar-se a par com o nosso tempo. Dessa grande oratória, vinda do Padre Vieira no púlpito da Sé da Bahia a clamar contra os invasores holandeses, foi Otávio Mangabeira mestre inconfundível.
Penso nele e o vejo sentado no grande salão do hotel, no Campo Grande, em Salvador, a desfilar histórias e fatos com alegria, com humor. Algumas dessas histórias definem o caráter e a sensibilidade desse homem que se manteve, durante toda a vida, fiel à sua integridade e à democracia. Conta-se, por exemplo, em Salvador, de sua preocupação, quando governador do Estado, ao saber de manifestação oposicionista, passeata de estudantes ou greve operária; evitar que a polícia se envolvesse e fosse brutalizar manifestantes ou grevistas. "Sobretudo não chame a policia", dizia ele a seus auxiliares, pois era a negação da violência, era a própria delicadeza feita homem e governante.
Ele próprio narrou-me a seguinte história: após deixar o governo, os sindicatos fizeram-lhe calorosa manifestação de apreço. E o orador operário disse, ao fazer-lhe o elogio: "Senhor Otávio Mangabeira, o senhor soube governar a Bahia com muita delicadeza". Mangabeira guardava na memória e no coração essa frase como a melhor homenagem às suas qualidades de governante. Ria, ria, ao contar a história satisfeito de não haver magoado a ninguém, quem quer que fosse, de não haver atirado os cães da política contra o povo, de ter podido, na hora de governar, exibir a unidade de seu pensamento e de sua ação.
Quando da última eleição legislativa, quis candidatar-se à Câmara de Vereadores de Salvador, onde começara sua carreira política, para dedicar seus últimos anos à cidade que tanto amava. Mas o povo baiano, numa prova de alta cultura, uniu-se por cima dos partidos para fazê-lo senador.
Evocação da Bahia
Se eu tivesse de buscar uma única imagem para definir Otávio Mangabeira, eu vos digo que ele é a Bahia. A Bahia em suas melhores e mais generosas qualidades, aquela finura de civilização que era dele e é do último homem do povo baiano. A Bahia da grande oratória e da extrema habilidade política, a Bahia da delicadeza, da gentileza, da ternura humana, a Bahia afável e afetuosa, a cordial, a acolhedora, a da doce brisa do mar, a dos luares sem igual. Otávio Mangabeira era a Bahia: o amor aos obres ideais, a irredutível luta pela liberdade, a consciência democrática.
Quando penso nele, penso na Bahia, na ampla humanidade de sua gente, na alegria do seu povo, em sua constante e fundamental doçura. Penso na Bahia nesta hora de minha vida, quando aqui chego com a responsabilidade de substituir Otávio Mangabeira. Chego coberto com a ternura de minha gente baiana. O fardão que envergo foi bordado com o ouro dos cacauais, foi a terra de Ilhéus, a terra do cacau, quem a ofertou a seu filho romancista, ao menino que ontem corria em suas ruas e atravessava suas estradas e hoje conta as histórias de espantar daquelas terras do sem-fim. E com o ouro da amizade com que o povo de Salvador agraciou-me, mas me cumulava numa festa de tanta emoção que não posso descer desta tribuna sem a ela me dirigir, na pessoa do ilustre governador e meu amigo Juracy Magalhães; nas pessoas de amigos tão caros ao meu coração, como Dorival Caymmi, cantor dos pescadores e do mar baiano; o sertanejo Wilson Martins, do rio São Francisco; o baianíssimo Odorico Tavares, vindo do Recife; meu velho e querido Giovanni Guimarães; o tranqüilo Mousés Alves, com seu sorriso e sua pintora Balbina; o jovem crítico Eduardo Portella, tão lúcido; a inquieta inteligência de Vavaldo Costa Lima; a doce ternura de Luiz Henrique, o riso largo de Mário Cravo e o coração de Mirabeau Sampaio; a sábia humanidade popular de Mãe Senhora, para dizer ao povo da Bahia que em nossas relações sou o único devedor. Do saber do povo me alimentei e se alguma coisa construí, ao povo o devo. Minha obra não é mais do que pobre recriação de sua grandeza."
(Este é apenas um trecho do discurso inicial de Jorge Amado na Academia Brasileira de Letras, que pode ser lido na íntegra no sítio da Academia Brasileira de Letras / Discurso de Possse de Jorge Amado).
Finalizamos aqui esse apelo que esperamos se torne em mais uma mobilização daqueles que se consideram bons bahianos, ainda que tenham nascido na "Europa, França ou Bahia". (ou até no Rio de Janeiro).
Antonio Carlos dos Anjos Costa.
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