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Natural de Salvador, Bahia (16/03/1968). Formado pela Escola de Administração da UFBA (2004). Cursando Direito na UNIRB. Solteiro.

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sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Barbas de molho


Por Carlos Lessa *
 
Sou de uma geração treinada em ler nas entrelinhas. Vivi as longas décadas de regimes ditatoriais latino-americanos e aprendi a pesquisar as intenções nos discursos oficiais. O dr. Ulysses Guimarães me ensinou que se deve prestar atenção aos silêncios nos discursos.
 
Percebo uma crescente preocupação da presidente Dilma com a China e suas pretensões geopolíticas e geoeconômicas. Na reunião do G-20, a presidente declarou sua preocupação com a ausência de compras chinesas de produtos industriais brasileiros (leia-se, nas entrelinhas, que o Brasil é exportador de alimentos e matérias-primas sem processamento: soja em grão, minério de ferro bruto, couro de vaca sem curtição etc).
 
Em passado relativamente recente, exportamos geradores para a grande usina do Rio Amarelo; agora, estamos importando geradores da China. Vendemos aviões da Embraer. Bobamente, aceitamos instalar uma filial na China; os chineses clonaram a fábrica da Embraer e, hoje, competem com o avião brasileiro no mercado mundial. Esta semana, a presidência declarou sua preocupação com a tendência chinesa à aquisição de grandes glebas agrícolas no Brasil. A percepção presidencial não resolve o problema das relações Brasil-China, porém já é meio caminho andado que o poder executivo nacional tenha aquelas dimensões presentes.
 
O enigma chinês é fácil decifrar. O Brasil cresceu, de 1930 a 1980, 7% ao ano. Depois dessas décadas, mergulhamos na mediocridade e patinamos com uma taxa média ridícula de 2,5%. A China, nas últimas décadas, vem crescendo anualmente entre 9% e 10%. Entretanto, está em situação potencialmente pior que o Brasil. Hoje, mais de 80% da população brasileira está em áreas urbanas e 50% em metropolitanas e nem chegamos aos 200 milhões de habitantes. A China tem uma população de 1,34 bilhão, sendo que menos de 50% estão na área urbana. Como a renda média do chinês rural é um terço da do chinês urbano, é inexorável uma transferência equivalente a duas vezes a população brasileira para as cidades chinesas, nos próximos 20 anos. É fácil entender o sonho de urbanização do chinês rural. A periferia urbana das cidades chinesas já está "favelizada".
 
Estratégia da China combina aspectos da Inglaterra vitoriana com primazia do Japão científico-tecnológico Sabemos que o Brasil tem uma péssima distribuição de renda e riqueza. Houve uma melhoria da participação dos  salários na renda nacional, que evoluiu, desde 2000, de 34% para 39%. A elevação do poder de compra dos salários foi importante, entretanto o leque salarial se tornou mais desigual e houve pouca geração de empregos de boa qualidade. O salário médio brasileiro é muito baixo, entretanto é, por mês, igual ao limite de pobreza chinês ao ano (cerca de €150), isto é, o brasileiro pobre ganha 12 vezes mais que o chinês pobre.
 
Nosso governo  fala de uma "nova classe média" e esconde que o lucro real dos grandes bancos brasileiros cresceu 11% por ano  no período FHC e 14% durante os dois mandatos do presidente Lula. Enquanto os colossais bancos chineses  têm uma rentabilidade patrimonial inferior a 10%, os bancos brasileiros chegam a 20%.
 
É impensável o futuro demográfico chinês. No passado, cada família só podia ter um filho; agora, essa regra está sendo relaxada. A urbanização e a industrialização chinesas já comprometeram o lençol freático da China do Norte.  Com restrições de água, e necessitando transferi-la cada vez mais para a sede da indústria e população urbana, a China não produzirá alimentos suficientes. Se o consumo interno da China crescer cada vez mais, haverá falta não só de água, mas também de energia fóssil e hidráulica, além de, obviamente, todo um elenco de matérias-primas.
 
O planejamento estratégico de longo prazo da China é para valer. O projeto geopolítico e a geoeconômico chinês está transformando a África e parte da Ásia do sudeste em fronteira fornecedora de alimentos e matérias-primas. Em busca de autossuficiência de minério de ferro, a China já está desenvolvendo as enormes reservas do Gabão. A petroleira chinesa já está nas reservas de petróleo de gás do coração da África e a ocupação econômica de Angola é prioridade diplomática e financeira da China. O extremo sul da América Latina é objeto de desejo expansionista chinês, que se propôs a fazer e operar uma nova ferrovia ligando Buenos Aires a Valparaíso,  perfurando um túnel mais baixo na Cordilheira dos Andes. O Chile - com pretensão de se converter na "Singapura"  do Pacífico Sul - e os interesses agro-exportadores argentinos adoram a ideia. Carne, soja, trigo, madeira, pescado e cobre estarão na periferia da China do futuro. A presidência argentina é relutante em relação a esse  projeto, porém o MERCOSUL está sob o risco de se converter, dinamicamente, em pura retórica.
 
O Império do Meio, unificado pela dinastia Han (ainda antes de Cristo), atravessou séculos com Estado centralizado e burocracia profissional estruturada. No século XIX, a China balançou pela penetração da Inglaterra vitoriana; enfrentou a perfídia mercantil do ópio controlado pela Índia britânica. Sua república, no século XX, foi  ameaçada pela expansão japonesa, e somente após a Segunda Guerra Mundial conseguiu, com o Partido  Comunista Chinês (PCC) restaurar a centralidade.
 
Com um pragmatismo secularmente desenvolvido, a China combinou o Estado hipercontrolador com a "economia  de mercado". "Casou" com os EUA e criou um G-2, aonde mais de 3 mil filiais americanas produzem na China  e exportam para o mundo (70% das exportações de produtos industriais são de filiais americanas). O superávit comercial chinês é predominantemente aplicado em títulos do Tesouro. Esse é um sólido matrimônio,  em que os cônjuges podem até brigar, mas não renegam a aliança mutuamente conveniente. Enquanto isso, a  China repete a proposta da Inglaterra vitoriana para a periferia mundial: fonte de matérias-primas e alimentos, a  periferia mundial é, progressivamente, endividada com os bancos chineses e seu espaço econômico é ocupado por filiais da China. A Revolução Meiji, que modernizou e industrializou o Japão, está em plena marcha na China,  que procura ser a campeã mundial em ciência e tecnologia. A estratégia da China combina as chaves do sucesso  da Inglaterra vitoriana com a prioridade científico-tecnológica japonesa.
 
Que a China faça o que quiser, porém o Brasil não deve se converter na "bola da vez" da periferia chinesa. País tropical, com enormes reservas de terra agriculturável, água e fontes de energia fóssil e hidrelétrica, imagine-se a prioridade estratégica para o planejamento chinês em sua marcha pela periferia.
O discurso da globalização, a fantasia da "integração competitiva", a ilusão de ser "celeiro do mundo" com  brasileiros ainda famintos, e a atrofia da soberania nacional podem vir a ser um discurso de absorção da proposta  neocolonizadora da China.
 
Leio, nas palavras da presidente, uma percepção do risco do "conto do vigário" chinês. Temo os vendilhões da  pátria, entregando energia e alimentos para o neo-sonho imperial.
 
* Professor emérito de economia brasileira, ex-reitor da UFRJ e Ex-Presidente do BNDES.


quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Investigações em 5 ministérios apontam desvios de R$ 1,1 bilhão




Foto: Givaldo Barbosa / O Globo

Roberto Maltchik, O Globo

Além de derrubar cinco ministros este ano, as investigações de desvio de recursos públicos em órgãos federais identificaram ao menos 88 servidores públicos, de carreira ou não, suspeitos de envolvimento em ações escusas que acumulam dano potencial de R$ 1,1 bilhão.
Esse valor inclui recursos pagos e também dinheiro cuja liberação chegou a ser barrada antes do pagamento. A recuperação do que saiu irregularmente dos cofres públicos ainda dependerá de um longo e penoso processo, até que parte desse dinheiro retorne ao Erário.
Os desvios foram constatados em investigações da Controladoria Geral da União (CGU) e dos cinco ministérios cujos titulares foram exonerados — Transportes, Agricultura, Turismo, Esporte e Trabalho. Outros dois ministros — da Casa Civil e da Defesa — caíram este ano, mas não por irregularidades neste governo. Antonio Palocci (Casa Civil) saiu por suspeitas de tráfico de influência antes de virar ministro, e Nelson Jobim (Defesa), após fazer críticas ao governo.
A contabilidade exclui investigações ainda não encerradas pela Polícia Federal, que apura se houve ou não pagamento de propina a servidores, apontados como facilitadores dos esquemas de corrupção em Brasília e nos braços estaduais dos órgãos federais. Somente nas últimas semanas, a Polícia Federal desmontou três esquemas de corrupção intimamente ligados às denúncias. 

A Batalha do Judiciário


Estamos diante de um dos mais significativos momentos da história da Democracia deste país e parece que poucos estão percebendo isto, explico: 

Trava-se uma verdadeira batalha no Judiciário, pois pela primeira, repito, pela PRIMEIRA VEZ neste país varonil, alguém ousa investigar toda a SUJEIRA que há por  debaixo deste tapete chamado Judiciário. Este poder que sempre foi, dos 3 que temos, o intocável.

O CNJ, através de uma corajosa Corregedora, Ministra, Dra. Eliana Calmon, vem descobrindo as históricas sujeiras deste poder, em todas as suas esferas, inclusive dos mais altos magistrados da mais alta corte do país, e a reação vem então de forma avassaladora. Quando o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) começa a tornar público o resultado de suas investigações das diversas instancias do Judiciário, a mais alta corte, o Supremo, e as associações de juízes, reagem e querem CALAR a boca desta, que representa até então, a mais inteligente iniciativa para extirpar este Cancer de nossa sociedade, a corrupção, os abusos de poder, a impunidade, e a morosidade do Judiciário deste país.

Eu não tenho dúvidas que, ao lado da EDUCAÇÃO, a JUSTIÇA, ambas com os piores predicados que poderíamos ter, são a FONTE PRIMEIRA e todos os demais males neste país. Um povo, uma sociedade que tem sua EDUCAÇÃO deficitária e sua JUSTIÇA lenta e corrupta, JAMAIS, repito, jamais, alcançará a Democracia plena e seu Desenvolvimento Social e economico pleno.

Não adianta Copa do mundo, Olimpíadas, Pré Sal, balança comercial forte, nada disto, pois pelo contrário, ao ficar mais rico, ficaremos mais DESIGUALITÁRIOS, claro, pois esta riqueza adicional será acumulada por poucos. Simples assim: Sem EDUCAÇÃO e JUSTIÇA plenas, não há desenvovimento social sustentável. Será que ainda temos dúvidas sobre isto? E mais, não adianta ir às ruas, como vimos fazendo, para combater a corrupção, combater o excesso de carga tributária, combater a falta de segurança, porque estes problemas são sintomas, são consequencias, são efeitos do mal maior, dos "cânceres" a  EDUCAÇÃO e JUSTIÇA deficitárias. Logo, proponho uma verdadeira enxurrada de mensagens e posts para APOIAR a CORAGEM do CNJ através da Ministra Dra. ELIANA CALMON e sua Equipe, pois ela representa a nossa voz  para iniciarmos a eliminação deste cancer, JUDICIÁRIO LENTO e CORRUPTO.

Façamos a nossa parte pois do contrário, assim como a juiza Patricia Acioli foi ASSASSINADA no Rio por policiais que estavam sendo investigados por ela, mais uma mulher de CORAGEM será "assassinada" neste país, só que de uma maneira muito mais letal, será assassinada, calada, pelos Juízes. Quem os julgará? Façamos barulho. Façamos nossa parte em apoio ao CNJ e a Dra. ELIANA CALMON.

Se você concorda com isto, replique este texto e envie aos seus Amigos. Estou tentando fazer a minha parte, faça a sua!!!


Não concordo com tudo que a Veja publica e defende mas este artigo do J.R. Guzzo é esclarecedor.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

UMA GRANDE REVOLUÇÃO ESTÁ EM CURSO E É APENAS O COMEÇO

NOVO MODELO DE PENSAMENTO E DE CIVILIZAÇÃO

Conceitos Apresentados por Alvin Toffler, Fritjof Capra e outros pensadores


Estamos em meio a uma fase de transição. Um ciclo se encerra para a Humanidade e um novo está em vias de refulgir, mas, não antes do atual cair por terra, o que nem sempre ocorre de forma pacífica. É um período de ebulição, de questionamentos, de choque entre idéias, modelos e caminhos diversos. Citamos na íntegra o texto a seguir, por julgá-lo pertinente:

NOVOS PARADIGMAS DO CONHECIMENTO EM INÍCIO DE MILÊNIO
Nize Maria Campos Pellanda
1. Introdução
Vivemos uma tragédia humana sem precedentes na História da Humanidade: dois terços da população mundial passam fome e um terço desperdiça comida e matéria prima. Vivemos uma cultura de violência generalizada. A vida de nossos jovens é dizimada pelo consumo de drogas. O desemprego, considerado "natural" pelos defensores do modelo hegemônico, tira dos seres humanos o sentido existencial do trabalho, fundamental para a construção dos sujeitos, e joga no desespero milhões de famílias em todo o mundo. O processo de exclusão sustentado pelo neoliberalismo é brutal. Chegamos ao paroxismo da "luta de todos contra todos" como o produto mais horrendo do processo da modernidade.
Como se chegou a esta situação? Há realmente saída para este caos? Como sair disso? Procurarei trazer para vocês aqui alguns elementos para pensarmos juntos este profundo processo de fragmentação que resultou nesta situação tão dramática e também alguma contribuição para a questão das saídas possíveis.
2. Um pouco de História
Nada acontece por acaso. A História não é algo que paira sobre nós como uma entidade vinda de fora. O processo histórico é constituído pela ação dos homens e mulheres concretos e portanto, responsabilidade nossa. Por isso, proponho pensarmos nos mecanismos de poder responsáveis por tantos sofrimentos e como eles se gestaram historicamente..
Não podemos mais pensar em fatos isolados. Os sábios de todos os tempos sempre souberam que há uma harmonia intrínseca no Universo. Há uma conexidade fundamental onde cada elemento do todo, vivo e não-vivo, tem a ver com o funcionamento de tudo. Um provérbio chinês expressa muito bem este espírito:
" É IMPOSSIVEL MOVER UM DEDO SEM INCOMODAR UMA ESTRELA."
Pois bem, este é o eixo de minha fala aqui: uma conectividade profunda que dá sentido a tudo o que existe e, na ausência destas conexões, o processo de desagregação e sofrimento humanos que segue como consequência.
Se analisarmos os fatos de hoje numa perspectiva histórica podemos vislumbrar uma mudança de uma visão mais integrada do cosmos para uma visão disjuntora e fragmentadora a partir dos séculos XVII e XVIII. Na contemporaneidade aparece uma tentativa de resgate de um cosmos integrado, já num outro patamar de complexidade devido ao desenvolvimento da ciência, com o advento de uma visão sistêmica e ao surgimento de uma filosofia de ecologia profunda. (Capra, 1996)
Como dizia nosso saudoso Paulo Freire é preciso fazer "a dialética da denúncia e do anúncio". Por este motivo, não quero trazer aqui somente a denúncia da tragédia mas propor também uma "revolução do olhar" para que possamos vislumbrar novos horizontes de luta e, Por que não? de utopias.
Vivemos um momento de rupturas paradigmáticas. O velho paradigma da modernidade começa a ruir e, em seu lugar, está surgindo já há algum tempo, algo muito perturbador. Uso o termo perturbador num sentido muito positivo como uma sacudida geral de nossas potências de vida adormecidas por um paradigma que é considerado " a doença do olhar".
A crise que estamos vivendo é resultado de séculos de amputação de nossas faculdades de percepção. É, antes de mais nada, uma crise do sujeito que está sendo desde há muito impedido de conhecer se entendermos conhecimento como percepção, como aprendizagem de vida, como aprendizagem de ser.
Pois bem, vamos dar nome aos bois. A crise atual tem raizes profundas no aniquilamento dos sujeitos destroçados por um paradigma científico que os fragmentava até as últimas consequências existenciais. O paradigma cartesiano que surgiu na modernidade é, por definição, o paradigma da disjunção. Tudo é condenado à separação: corpo, alma e emoções, sujeito e objeto, ser humano e natureza, interioridade e exterioridade, eu e outro e asssim sucessivamente. A ciência moderna sistematizada por Descartes e consolidada por Newton expulsava da investigação científica o subjetivo, a emoção e o desejo como atrapalhadores do conhecimento. Assim, o ser humano perdeu-se de si mesmo e foi condenado a uma solidão terrível. Nesta fragmentação, a própria ética separou-se da religião e do processo de construção do ser humano.
Como disse, é preciso dar nome aos bois. A ciência moderna surgiu com o modelo capitalista de produção o que não foi por acaso. Era preciso uma ordem econômico-político- social que legitimasse uma exploração da natureza e do ser humano com o objetivo de lucros cada vez maiores.
A Revolução Francesa que seguiu-se à Revolução Industrial formalizou este estado de coisas e garantiu por séculos a dominação da classe econômica dominante- a burguesia.
A Revolução Francesa representa o triunfo da burguesia. Os donos do capital, os burgueses, apesar de todo o seu sucesso econômico com a Revolução Industrial, ainda permaneciam sem poder político até o final do século XVIII. Eles estavam sujeitos a uma aristocracia decadente e inativa que vivia do trabalho dos proletários e do dinheiro dos burgueses. A Revolução Francesa dá um duro golpe na aristocracia e instaura o regime constitucional que espalha-se pelo mundo. Durante a Revolução Francesa é promulgada a Primeira Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão que, apesar de seu mérito incontestável de criar o conceito de direitos para todos, tem muitas limitações. É a origem do direito burgues e do liberalismo. E aqui, podemos fazer um rápido parêntesis para localizar a origem do liberalismo e também as raizes mais remotas do neoliberalismo para podermos entender o funcionamento destes dois modelos políticos e sua influência profunda na modernidade e na contemporaneidade. É muito importante nós pensarmos um pouco sobre estes fundamentos para acompanharmos o processo evolutivo que veio dar no neoliberalismo.
Os direitos universais pregados pela Revolução Francesa entusiasmava mas, historicamente, mostrou-se como uma ilusão porque, na verdade, o que a história revelou foi que a estrutura jurídica e política criada tratou de consolidar uma simbiose entre o Estado e a coisificação das relações sociais da sociedade civil. (Flickinger, 1986).
A Revolução Francesa, que implantou o liberalismo, coloca nas legislações que lhe seguiram a figura de um sujeito abstrato do direito separado de seus vínculos e de suas emoções. Este era também um sujeito abstraído das condições materiais. Portanto, não era um sujeito de carne, osso, alegria e sofrimentos. Neste momento histórico, percebemos, uma vez mais, a normatização da sociedade que se expressa numa juridificação cada vez mais intensa da vida cotidiana. É mais um passo para a "institucionalização da liberdade" (Idem, 1986)
Na verdade, a liberdade do liberalismo é a liberdade de um grupo- os detentores do poder econômico. O mercado, hoje sabemos muito bem, não é para todos. A liberdade das revoluções burguesas era a liberdade dos proprietários. Os trabalhadores, as mulheres e as crianças não tinham direitos.
Neste Estado de Direito, o formalismo triunfa sobre o Estado de fato. Na legislação civil podemos perceber, portanto, o indivíduo como abstração sem seus vínculos famíliares, comunais, etc. A burguesia teve e tem tido um sucesso tremendo no seu esforço filosófico para administrar o seres humanos para o seu projeto.
No seu trabalho de construir uma arquitetura da dominação, a burguesia construiu mecanismos ideológicos de manipulação destinados a permanecerem ocultos o que se constituiria em maior efetividade de poder. Acabamos de ver alguns deles. Um outro mecanismo utilizado na legislação da época e embutido no senso comum foi a questão de "direito natural" ou de fatos naturais de modo geral. A propriedade era considerada algo "natural" e, com este pressuposto a burguesia pretendia a não discussão dos fundamentos da riqueza de uns em detrimento da pobreza da maioria. Muitas outras coisas eram consideradas naturais. Os idealizadores do neoliberalismo na década de 70 defendiam uma taxa "natural" de desemprego. Mas "nada é natural na História", tudo é um processo de construção humano pela ação. E assim, com este mecanismo, as pessoas eram persuadidas a não agir, a não reagir e aceitar as coisas como se apresentavam, com "naturalidade".
Não é somente a ciência portanto, que é atingida por um novo paradigma mas este paradigma têm também uma dimensão social e pessoal atingindo as regiões mais profundas da existência humana. O Universo foi desencantado e despojado das suas características mais significativas que dão sentido à vida como um todo. Sobre isto acho importante fazer uma escuta das palavras de Olgária Matos:
"Desencantamento do mundo: em Descartes, ele se encarna no sujeito abstrato do puro pensamento de si - aquele que não tem dor a mitigar, nem esperanças a realizar. Tanto o pensamento platônico como o cartesianismo, por razões diversas, implicaram num universo desinfeitiçado, demitizado, "sem qualidades", racional- No universo místico e mágico, ao contrário, "nada é natural na natureza", tudo é sagrado". (Matos, 1993, p.74)
É exatamente este mágico, este sagrado que o racionalismo moderno quer eliminar de qualquer jeito porque a imaginação e o olhar são males a serem conjurados. Daí a doença cognitiva da modernidade provocada pela negação do olhar e da imaginação. Voltaremos a isso quando fomos tratar da questão do conhecimento.
A História não é linear, mas um processo vivo e dialético. Muitas foram as reações e realizações contra este estado de coisas por parte de trabalhadores, oprimidos em geral e de muitos pensadores, artistas e cientistas. Estes movimentos contra a opressão e o desencantamento trouxeram conquistas emancipatórias muito importantes.
Mas no meio desta crise existencial radical está havendo uma revolução instigante. Esta revolução também não acontece por acaso . Trata-se de um processo histórico resultado de ações de homens em mulheres ao longo da história deste século e até mesmo antes. Está havendo uma grande virada paradigmática. Uma das causas mais importantes desta transformação foi a absoluta incapacidade da física newtoniana de dar conta do universo do mundo sub-atômico. Lá no mundo do infinitamente pequeno os físicos procuravam os elementos útlimos da matéria mas não encontravam a tal matéria, mas sim espaços de interação relacionados com energia e condensação de luz. A matéria tão perseguida, a chamada matéria densa apresentava-se como um espaço de probabilidade onde reina a incerteza. Dependendo do observador, a realidade observada apresentava-se ora como onda, ora como partícula. E assim, ironicamente o sujeito varrido da pesquisa científca volta exatamente através da física, uma ciência "dura". Começa a ruir o edifício newtoniano-cartesiano construido a partir da convicção de que leis rígidas e imutáveis governariam o universo.
O físico David Peat critica profundamente esta concepção dizendo:
"Na verdade, perguntar por leis definitivas na natureza pode ser similar a perguntar pelo resultado de uma obra de arte. Da mesma forma, como o sentido e a interpretação de um poema ou de uma pintura nunca pode ser esgotado, também não pode haver um trabalho definitivo que prove a existência da matéria ou uma teoria final da ciência." (Peat, 1991,p.53)
E arrasta na queda um dos seus pressupostos mais importantes baseados na lógica formal- alguma coisa não pode ser e ser ao mesmo tempo. Do paradigma da simplicidade passamos ao paradigma da complexidade - as leis tem que ceder lugar ao evento, à bifurcação, ao acaso. Tudo se constrói num processo histórico de interação. É preciso romper a relação esquizofrênica que temos com a natureza e dialogar com ela. Com isto, podemos reencantar o Universo desencantado pelo velho paradigma de fragmentação entre os seres humanos e a natureza.
Mas a revolução não para aí. Em torno da metade deste século alguns cientistas começam a desconfiar ainda mais da fragmentação imposta pelo cartesianismo. Eles começam a descobrir que não somente as partes não tem sentido como tambem não levam à comprensão da vida. Os biólogos tiveram uma contribuição muito importante na mudança de paradigma porque afirmavam a idéia de que os organismos vivos são sistemas integrados. Com isto, eles insistem na idéia de que o todo é muito mais do a soma de suas partes. Existe, portanto, algo mais que precisa ser buscado para podermos entender a vida e o cosmos. E este algo mais, para estes cientistas, não é material mas são padrões de relação. Descobrem eles que tudo depende das interações e o que resulta são propriedades emergentes que não estão pré-dadas mas que dependem das interações. Chegam então à uma conclusão revolucionária: o padrão de tudo o que existe, vivo e não-vivo é a rede.
Na esteira destas descobertas, pesquisas destas últimas décadas em Biologia, principalmente os estudos dos chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela colocam uma pá de cal no velho paradigma. Estes cientistas reafirmam a rede como o modelo da vida e sustentam que os seres vivos são autopoiéticos, ou seja, são auto-construtores de si mesmos. Trazem a idéia de uma autonomia criativa dos seres vivos na medida em que não há realidade à priori mas tudo é inventado através da interação nas várias redes que compõem o vivo. A partir daí, afirmam um construtivismo radical no sentido em que não existe um mundo lá fora responsável pela nossa evolução. O mundo externo é apenas perturbador, cada um de nós aprendemos e vivemos de forma original. Temos que inventar nossa vida e nosso viver. Com isto, há uma inseparabilidade entre conhecer, ser e viver.
Ora, tudo isso é muito perturbador porque, se não existe um mundo lá fora, se não existe separação entre sujeito e objeto não temos uma realidade externa a ser repreesentada dentro de nós. Isso mexe profundamente com as nossas posturas de ensinar e aprender. Na modernidade fomos acostumados a acreditar que existe um mundo externo que, como um espelho, nós reproduzimos dentro de nós. Este é portanto, um momento muito instigante. Temos que nos reinventar, temos que construir o mundo. Mas este também é um momento de potência que podemos desenvolver para resolver nossos problemas e romper os limites que nos aprisionam em nosso desenvolvimento humano.
Somos, portanto, seres virtuais. Uso virtual no sentido usado por Pierre Lévy (1996) - virtualis - que vem do latim e quer dizer potência. Se pensarmos na teoria de Maturana e Varela (1990) da autopoiesis precisamos de atualizar constantemente nossos potenciais de ser através da interação. Como já dissemos, não existe realidade pré-dada mas tudo emerge a partir da ação. Emergência é pois uma palavra-chave para entendermos tudo isso.
Neste momento podemos recuperar a utopia. Não uma utopia desgarrada da realidade concreta e da própria ação cotidiana dos sujeitos mas uma concepção de utopia impregnada da ação coletiva, pelo processo de tornar atual o virtual, pelo processo de construção e invenção de cada um de nós. Como sugeriu Ernst Bloch ao tratar da utopia, uma questão fundamental em sua obra, a esperança é uma categoria cognitiva. (apud Giroux e McLaren, 1990) Por isso, não podemos sucumbir à cultura da desesperança que nos rodeia.
O eixo do novo paradigma da ciência organiza-se em torno da idéia de rede. Pois bem, cada um de nós como um nó na rede pode potencializar de forma muito forte esta organização desde que movida pela energia construtora do amor. E aqui, mais uma situação absolutamente revolucionária na ciência de hoje: as emoções banidas da ciência clássica como atrapalhadoras do conhecimento são trazidas pela Nova Biologia para o cerne da pesquisa científica. Para Maturana , o amor é fundamental. Ele chega mesmo a afirmar que o "99% das doenças tem a ver com a negação do amor". (1991, p. 23) Ele justifica estas palavras ao dizer que não afirma isto de forma vulgar mas a partir de mais de 20 anos de pesquisa em Biologia.
Apesar de todos estes avanços científicos, culturais e políticos em termos da construção de um novo paradigma com percepções profundas sobre a realidade, o conhecimento e a emancipação, a segunda metade do século viu surgir e avançar um período muito obscuro para a história da humanidade que negava fundamentalmente estas descobertas.
2. O Triunfo do Pensamento Ùnico
 "Possa Deus nos proteger da visão única e do sonho de Newton." W. Blake
A modernidade foi a fase das grandes narrativas universalizantes, das grandes sínteses. Estas metanarrativas tem a ver com o paradigma cartesiano que varre da ciência a questão do singular e da diferença. Há a tendência de um pensamento universalizante e consensual o que restringe o poder das pessoas. A História que não é um processo linear sempre teve os exemplos de resistência ao pensamento único. Ainda no século XVIII alguns artistas como Blake e Goethe se insurgiam contra isso. No século XIX os exemplos são inúmeros principalmente aqueles ligados ao socialismo utópico e ao chamado socialismo científico de Marx.
Os anos 60 do século XX viu nascer todo um movimento de luta pela emancipação, pela diferença e singularidade. As revoluções de1968 foram uma expressão desta luta. Agora começava a aparecer nas lutas o lado subjetivo da revolução. Não era mais simplesmente lutas pela opressão que somente aparecia externamente mas também contra o lado mais oculto do poder.
A reação conservadora contra isso veio forte. Nos anos 70, surgem novas formas de dominação. Uma grande crise do capitalismo fez com que as classes dominantes, já assustadas com os movimentos de 68, reagissem de forma violenta e rápida. Os donos do capital se reorganizaram e impuseram um modelo de dominação ainda mais sutil e perverso contra os trabalhadores e a população do mundo de modo geral. É o advento do neoliberalismo que foi erguido a partir de alguns pilares fundamentais: fragmentação, hiperindividualismo e homogenização. A junção destes três dispositivos de poder tem consequências trágicas para a construção de subjetividades e das sociedades. As dimensões subjetivas mais profundas dos seres humanos foram atingidas. Por exemplo: a perda do sentido do trabalho, o sentido de comunidade, de solidariedade através do crescimento de um individualismo doentio e, novamente a presença muito forte de um pensamento único.Tudo é arquitetado de forma a passar a idéia de que fora do neoliberalismo não tem salvação. Por esta fratura entra a dominação sutil desta nova fase do capitalismo.
Tudo isto tem como consequência política mais ampla o surgimento de um processo de declínio da democracia. Perdemos autonomia, não somente sob o ponto de vista pessoal com todos estes mecanismos de dominação que estamos analisando aqui como também sob o ponto de vista do Estado-Nação. O novo Estado, principalmente nos países emergentes, perde autonomia porque é despojado de suas instituições estratégicas o que é acompanhado de desindustrialização e inviabilização de soluções de sustentabilidade. Com isto, fica submetido às instituições multilaterais (FMI, Banco Mundial, etc.) que expressam o novo poder no mundo ou seja, do Capitalismo Mundial Integrado.
Inicia-se, portanto, nos anos 70, a fase mais brutal do capitalismo: conquistas históricas dos trabalhadores foram sendo desmanteladas em favor de uma desregulamentação que acompanha o encolhimento do Estado. No que diz respeito ao Estado, o neoliberalismo se distingue do velho liberalismo. O grande objetivo é o Estado Mínimo, ausente dos compromissos sociais. Mas no objetivo principal, a liberdade do mercado, liberalismo e neoliberalismo se equiparam.
O Estado enxuto deixa desamparados os excluidos do sistema que aumentam de forma avassaladora com os mecanismos de concentração de renda e técnicas poupadoras de mão-de-obra. É o desemprego estrutural. Para sustentar tudo isso, mecanismos ainda mais sofisticados de dominação são concebidos. No Brasil, o desemprego não é somente estrutural mas também conjuntural pois é uma decisão política do governo.
Podemos aqui tomar a liberdade de, a partir das elaborações de Deleuze (1998), fazer um paralelo entre as chamadas sociedades disciplinares que acompanhavam o liberalismo e a revolução industrial até o século XX e as sociedades de controle que marcam a atual fase do capitalismo neoliberal. Se nas sociedades disciplinares, como mostrava Foucault a punição dos que não se deixavam dominar se fazia por castigos físicos e confinamentos (prisões, escolas, etc), na sociedade de controle a vigilância se faz de dentro para fora. É o próprio dominado que pratica a sua auto-dominação. O poder agora coloniza a alma ao capturar os desejos.
Voltando aos três pilares de sutentação do neoliberalismo: fragmentação, hiperindividualismo e homogenização podemos dizer que os tres mecanismos estão profundamente interligados no processo de dominação. Mas, na verdade, o processo de fragmentação prepara caminho para os demais. Há um mecanismo que vai fragmentando tudo pela dissociação o que tem consequências subjetivas profundas. Há toda uma deformação de relação com o real na qual os sujeitos não se veêm como parte integrante desta realidade. Tudo é fragmentado e, neste processo não nos vemos como partes de um todo. O eu e o outro estão cindidos e, por isso, o outro é sempre um ser perigoso do qual tenho que me cuidar. O que fizeram os ideólogos deste modelo foi atingir os vínculos entre as pessoas e daí este hiperindividualismo. Thatcher, na Inglaterra que foi uma das principais agentes executoras do neoliberalismo, por ter sido um dos primeiros chefes de Estado a aplicar o novo modelo, costumava dizer aos trabalhadores ingleses: " Isto que vocês chamam de sociedade não existe, o que existe, são os indivídulos e suas famílias."(Hall e Jacques, 1990, p. 174). Como podemos notar, é um discurso desagregador que desestimula as lutas coletivas e ataca o espaço público.
E aqui podemos pensar um pouco como educadores. Que tipo de consequências podem ter estas fragmentações como o individualismo cultivado e o pensamento único? Se considerarmos as pesquisas recentes não somente da Biologia como das ciências cognitivas em geral que estão apontando para a conectividade como condição básica de construção de conhecimento e de sujeito, podemos pensar então que a educação que se pratica hoje neste tipo de contexto, como uma violência destas necessidades biológicas. Como resultado, disso surge uma doença cognitiva na medida em que somente conhecemos ao construir a realidade de forma original e, ao mesmo tempo, inventamos a nós mesmos neste processo de construção. Está havendo um impedimento profundo de construção de conhecimento e, portanto, de construção de ser.
Tudo indica um aprofundamento daquela crise de percepção da modernidade que nos impede de ver, ou seja, a "modernidade como a doença do olhar". Por isso, não vemos o horror que nos rodeia. Por que não vemos, por exemplo, o fato de que o patrimônio estratégico de Brasil está sendo desmantelado e o BNDES destina apenas uma parte desprezível deste recursos aos projetos sociais e uma quantia considerável aos bancos privados? Como funcionam estes mecanismos de ocultamento de algo tão dramático? O salário mínimo é vergonhoso enquanto a verba de publicidade do governo, exatamente para encobrir estes fatos, é gigantesca. E o Ministro da Fazenda declara que o valor do salário mínimo "dá e sobra" como se educação e saúde fossem gastos absolutamente supérfluos na vida do trabalhador. A política de desindustrialização joga milhões de trabalhadores diariamente na exclusão. E, por aí segue o processo de exclusão.
Como funcionam hoje estes mecanismos de poder responsáveis por estas políticas? São usados rituais e dispositivos de poder que colonizam os sujeitos comprometendo neles a singularidade, a autoria e a diferença, fundamentais para o ser humano. A epistemologia da verdade única vai fundo nos homens e mulheres deslegitimando qualquer elaboração original dos sujeitos singulares: o presidente da República ironiza sistematicamente as manifestações opostas às políticas de governo afirmando que os brasileiros são "burros", "caipiras", "não-modernos", "vagabundos", etc. O Ministro da Fazenda responde a Lula que criticava o salário mínimo que o "Brasil não é para principiantes." (1) É a deslegitimação do trabalhador. Nossa capacidade de percepção da realidade é apropriada pelo pensamento dominante, via mídia, e colonizada de tal forma que somos invadidos pelo pensamento de outrem. O espaço que sobra dentro de nós é muito pequeno. Este espaço é tão reduzido que não conseguimos mais ouvir nossas próprias vozes. O que fazemos é repetir as palavras do dominador fazendo com ele uma espécie de identificação negativa. Sobre isso, podemos ouvir as palavras de Corbusier:
"Convencido da superioridade do colonizador e por ele fascinado, o colonizado, além de submeter-se, , faz do colonizador seu modelo, procura imitá-lo, coincidir, identificar- se com ele, deixar-se por ele assimilar. " (...) "O colonizador se perde no outro, se aliena." (Corbusier, 1977,p.8)
A "doença cognitiva" portanto, é o produto destes mecanismos. Este termo que tenho usado aqui foi cunhado por Kincheloe (1993) para se referir às fragmentações do sujeito frente à realidade. Nas suas próprias palavras:
"A fragmentação moderna e a educação "infectada" que ela produz tem enfraquecido nossa habilidade para ver o relacionamento entre nossas ações e o cosmos." (Kincheloe, 1996, p.30)
Com isto, trazemos novamente aquela questão que coloquei: a modernidade como uma crise de percepção e, portanto, de impedimento de construção de sujeitos e de conhecimento. Se consideramos conhecimento como algo que vai muito além do individual ou da aprendizagens formais podemos afirmar que a modernidade atinge profundamente as condições de conhecimento. O pensamento cartesiano privilegiou a razão, o individual e o cérebro na questão do conhecimento. Nosso conhecimento do mundo está limitado por categorias formais que, como uma camisa de força, nos impede de ver um cosmo harmônico. Lembro aqui Don Juan, o mago mexicano e seu discípulo o antrópologo Carlos Castanheda. Os dois passeavam por regiões inóspitas do México. E Don Juan chamava a atenção de Carlos o tempo todo: "olha Carlitos, olha". Mas Carlos não conseguia ver nada mais que um imenso mar de cactos. E o mago comentava que ele não via porque somente se permitia ver o que pudesse explicar. Isto acontece o tempo todo conosco neste universo desencantado. Nosso olhar doente não consegue mais ver o sentido oculto das coisas.
A Biologia, no entanto, está nos mostrando que aprendemos na verdade com a emoção pelo fato de estarmos conectados com outros de forma afetiva. E isto implica em que todas as dimensões do ser, que é um microcosmos dentro de um macrocosmos, está envolvido no processo de ser, de amar e de conhecer.
Schumacher expressa muito bem este espírito:
"Desde de Descartes que nos sentimos inclinados a crer que tudo o que sabemos sobre nossa existência vem apenas do pensamento centrado na cabeça- cogito ergo sum- penso logo existo. Contudo, qualquer artesão sabe que o seu poder de conhecer as coisas não vem apenas do pensamento centrado na cabeça, mas também da inteligência do corpo: as pontas dos dedos dos artesãos sabem coisas a que seu pensamento nunca teve acesso. (...) O homem em sua globalidade é um instrumento de cognição." (Schumacher,1987, p.74)

A rede social vai se esgarçando cada vez mais. A vida somente tem sentido em interação em redes que são sistemas de cooperação onde o afeto tem um papel fundamental de conexão. E isto acontece não somente ao nível do social mas em todos os níveis da vida: da vida de uma célula, passando pelo funcionamento das redes neurais e imunológica até as redes sociais e a Internet, tudo está interligado. O ataque aos vínculos, o ataque à legitimidade , o ataque à singularidade dos sujeitos representam ataques à vida e, portanto, à nossa capacidade de ser e conhecer.
Tudo isso despotencializa os homens e mulheres de uma maneira muito grave. Estamos desempoderados, fragilizados por este tipo de contexto que procurei caracterizar aqui.
Neste momento, quero trazer novamente as questões que fiz no início: Como se chegou a esta situação? Como sair disso? Há realmente saída para este caos? A primeira questão - como se chegou a esta situação- penso ter sido já pelo histórico apresentado, parcialmente respondida, o resto é com vocês. Mas o que quero trazer aqui mobilizando o grupo para que pensem junto comigo são as outras duas questões- há realmente saída para este caos? e- como sair disso?
Em primeiro lugar, a situação que aí está não é natural, ela foi criada por um grupo de pessoas na sociedade. É preciso, portanto, que cada um resgate seu papel de agente para fazer frente a esta tarefa e com isto ir se empoderando novamente.
Uma das primeiras providências então, para sair disto é resgatar nossos vínculos rompidos e garantirmos as condições para nos construirmos como seres humanos de forma plena. Ou seja, reconstruir nossa conectividade.
É preciso também que recuperemos nossa sensibilidade liberando nossas percepções e nossa intuição que nada mais é do que conhecimento profundo. A tragédia que vivemos no mundo neste momento é pois, resultado desta incapacidade de nos construir, construindo conhecimento profundo.
Mas como temos visto tantas vezes aqui a realidade não está dada. É preciso inventá-la coletivamente em redes solidárias. Mas o oposto também é possivel que cada nó, cada sujeito a partir de seu lugar possa com suas ações negativas porque despojadas de amor, fazer furos nesta rede o que poderá levá-la a uma fragilização como está acontecendo agora até limites imprevisíveis de destruição. Tudo é possivel.
Como pensar então nestas utopias concretas, não descoladas das nossas ações cotidianas, de nossa vida de educadores nas salas de aulas com nossos alunos, na nossa vida de profissionais agindo nestes redes da vida?
Como sustentáculo para a nossas ações existe uma nova cultura que está emergindo e que poderá nos servir de modelo de pensamento e ação para a nossa práxis. Refiro-me, em primeiro lugar, às novas concepções científicas nas quais encontramos a idéia de rede e a valorização das questóes de solidariedade. Em segundo lugar, mas não menos importante lembro a sociedade cibernética. Uma nova fase está surgindo com a Informática. A cibercultura, como temos chamado, não tem a ver simplesmente com o advento de um nova máquina que realiza várias operações práticas de maneira cada vez mais veloz e eficiente. A informática é muito mais do que isto. Ela muda profundamente nossa maneira de pensar, de agir, de nos relacionarmos com os outros, de aprender e assim por diante. Ela ultrapassou em muito os objetivos pelos quais foi inventada. A informática pode ser apropriada com fins emancipatórios para inventarmos uma nova sociedade onde a conectividade impregnada pelo afeto possa ser o eixo e onde reforçando todo o resto os tipos de conhecimento que oportuniza possa nos reconfigurar reconfigurando toda a rede. Ignorar esta cultura pode representar para as classes populares novamente a perda do trem da história, como aconteceu nos anos 70 .
Entre estes tipos de conhecimento que a cibercultura proporciona está o conhecimento por simulação que nos permite vivenciar a recriação do cosmos e, ao fazê-lo, nos recriar a nós memos. Isto é de um potencial epistemológico incrível. Um outro tipo de conhecimento é o associado ao hipertexto entendido aqui no sentido da construção dinâmica de textos coletivamente na rede onde cada autor, ao criar no coletivo vai se potencializando potencializando toda a rede. Muitas outras posssibilidades ainda poderíamos citar aqui mas o limite de nosso espaço não nos permitiria. Tudo isso são "tecnologias intelectuais" para usar o conceito de Pierre Lévy (1994) que são dispositivos para aumentar nossa inteligência. Isto também nos capacita a viver uma nova fase da história da humanidade - a sociedade informatizada - onde a característica principal é o saber-fluxo em detrimento do saber-substância.
O que importa aqui é pensarmos na necessidade e possibilidade de construirmos nossa caixa de ferramentas para fazer frente a esta opressão tremenda desta sociedade que nos impede, de todas as formas possíveis, de caminharmos rumo à nossa emancipação pessoal e social. Proponho então, que na nossa caixa de ferramentas coloquemos "tecnologias amorosas". Tomo a liberdade aqui com este conceito de "tecnologias amorosas" de ampliar o conceito de "tecnologias da inteligência" de Lévy para levar para toda a rede elementos fundamentais da vida ampliando assim a consciência. E esta ampliação da consciência que surge da densificação das relações afetivas porque solidárias na rede tem muito a ver com o que Teilhard de Chardin pensa sobre o processo de humanização da sociedade para se chegar a um "ultra-humano" através de um processo que ele chamava poeticamente de "amorização". (Teilhard de Chardin, 1974). Teilhard foi um místico católico e cientista que produziu grande parte de sua obra nos anos 50. Ele deixou uma produção científica notável como paleontólogo e também como filósofo.
O que pretendo com vocês a partir de agora é construir coletivamente as ferramentas para esta caixa. A finalidade desta construção é o desenvolvimento de nossas potências de ser, é a volta a uma verdadeira estética da vida, ou seja, " a vida como obra de arte". Esta finalidade é também a de pensarmos em termos de uma ecologia profunda. E ao pensarmos numa ecologia profunda é preciso, como nos sugere Capra na "Teia da Vida" (1996), formularmos questões profundas para sairmos deste torpor de não ver, de não sentir, de não conhecer e de não ser. O que afinal, é tudo a mesma coisa, é tudo parte de um mesmo processo.
Antes de partirmos para esta ação gostaria de, ao interromper para a participação de vocês lembrar as palavras de Deleuze tantas vezes lembrado aqui tanto pelas citações como sua presença nas entrelinhas:
"Acreditar no mundo é o que mais nos falta; nós perdemos completamente o mundo, nos desapossaram dele. Acreditar no mundo significa principalmente suscitar acontecimentos, mesmo pequenos, que escapem ao controle, ou engendrar novos espaços-tempos, mesmo de superfície ou volumes reduzidos." (Deleuze, 1998, p. 218)
Cada um de nós, como um nó, como um microcosmos, como uma rede de redes dentro de uma rede maior, possa expressar-se potencializando-se ao máximo praticando sua autoria, sua auto-criação potencializando a rede ampliada e, com isso, contribuindo para uma nova cultura de justiça social, de amor e de paz. Para que se consiga realmente esta cultura, que nossa luta não seja, uma vez mais, feita de palavras vazias, abstrações ou formalismos precisamos nos colocar por inteiro juntando as partes amputadas pela fragmentação da modernidade.
Referências bibliográficas:
CAPRA, Fritjof. A teia da vida. São Paulo, Cultrix, 1996.
CORBUSIER, Roland. Prefácio. In: MEMMI, A. Retrato do colonizado precedido pelo retrato do colonizador.
DELEUZE, Gilles. Conversações. São Paulo, 34, 1996.
FLICKINGER, Hans-Georg. O paradoxo do liberalismo político. Filosofia Política 3. Porto Alegre, L&PM, 1986. pp. 117-130
GIROUX, H. and McLAREN, P. Paulo Freire, Postmodernism , and the Utopian Imagination: A Blochian Reading. London, Routledge, 1994.
HALL, S. and JACQUES, M. New Times. 1990, Verso, London.
KINCHELOE, Joe. Formação de professores: mapeando o pós-moderno. Porto Alegre, Artmed, 1997.
LÉVY, Pierre. O que é o virtual? São Paulo, 34, 1996.
-- . As Tecnologias da Inteligência..São Paulo, 34, 1994
MATOS, Olgária. O Iluminismo Visionário: Benjamin, leitor de Descartes e Kant. São Paulo, Brasiliense, 1993.
MATURANA, Humberto. Emociones y lenguaje en Educacion y Política. Santiago, Hachette, 1991.
MATURANA, H. e VARELA, F. El árbol del conocimiento. Santiago, Universitária, 1990.
PEAT, F. David. The Philosopher´s Stone. New York, Bantam, 1991.
SHUMACHER, E.F. Um guia para os perplexos. Lisboa, Don Quixote, 1987.
Notas:
1.      Folha de São Paulo - FSP- 06-04-2000





ALVIN TOFFLER



Escritor americano nascido em 1928, notabilizou-se por discutir em seus trabalhos a revolução digital, a revolução das comunicações, a revolução das organizações e a singularidade tecnológica. Seus primeiros trabalhos deram enfoque à tecnologia e seu impacto (através de efeitos como a sobrecarga de informação. Mais tarde centrou-se em examinar a reação da sociedade e as mudanças que esta sofre. Os seus últimos trabalhos têm abordado o estudo do crescente poderio militar do século XXI, suas as armas, a proliferação da tecnologia e do capitalismo.

Doutorado em Letras, Leis e Ciência, conhecido pelos seus escritos sobre a revolução digital, a revolução das comunicações e a singularidade tecnológica.

Casou-se com Heidi Toffler, igualmente uma escritora futurista. O casal Toffler é conhecido pela mestria das suas análises sobre as mudanças sociais, políticas e econômicas contemporâneas. Leitura obrigatória em muitas universidades, Alvin foi professor da Russsell Sage Foundation, da Cornell University e consultor do Governo norte-americano.

O livro Future Shock foi o primeiro êxito de vendas, mas Third Wave deu-lhe notoriedade mundial e marcou a década de 80. Comparou a atual revolução da informação com a agrícola e a industrial do passado e expressão "terceira onda" entrou no léxico dos líderes de opinião mundiais. Alvin Toffler passou a ser apelidado visionário.

Bibliografia:
Future Shock (Choque do futuro) (1970) Bantam Books ISBN 0-553-27737-5
The Eco-Spasm Report (1975) Bantam Books ISBN 0-553-14474-X
The Third Wave (A terceira Onda) ou (A terceira onda) (1980) Bantam Books ISBN 0-553-24698-4
Previews & Premises (1983)
Powershift: As mudanças do poder (1990) Bantam Books ISBN 0-553-29215-3
War and Anti-War (1995) Warner Books ISBN 0-446-60259-0
Revolutionary Wealth (2006) Knopf ISBN 0-375-40174-1
Previsões e premissas. São Paulo: Record, 1983.
A empresa flexível. São Paulo: Record, 1985.
Os novos poderes. Lisboa: Livros do Brasil, 1991.
Guerra e antiguerra. São Paulo: Record, 1993.
O choque do futuro. São Paulo: Record, 1994.
Powershift. São Paulo: Record, 1995.
A terceira onda. São Paulo: Record, 2000.
TOFFLER, Heidi. Criando uma nova civilização. São Paulo: Record, 2003.

  

ENTREVISTA DE ALVIN TOFFLER À REVISTA VEJA – 15 DE OUTUBRO DE 2003

Alvin Toffler é especialista em apontar tendências para o futuro, tema de seus onze livros. Dois deles são best-sellers, com enorme influência ao redor do mundo: O Choque do Futuro, de 1970, e A Terceira Onda, continuação escrita dez anos depois. O título do primeiro refere-se à previsão de mudanças sociais e tecnológicas tão drásticas que deixariam as pessoas confusas. No segundo, ele mergulhou na análise dessas mudanças. Com duas décadas de antecedência, Toffler previu que as pessoas teriam PCs em casa. Também prognosticou o surgimento e a expansão da TV a cabo, por assinatura. Para escrever os dois livros, Toffler contou com a ajuda da mulher, Heidi, que colaborou com as pesquisas e editou os trabalhos. O primeiro emprego de Toffler, ainda adolescente, foi como operário na indústria automobilística. Mais tarde, graduou-se em letras e literatura e iniciou os estudos de fenômenos sociais. Foi editor da revista Fortune e hoje trabalha como consultor de empresas e de órgãos do governo americano, entre eles a Nasa. Da Califórnia, onde mora com sua mulher, Toffler, aos 74 anos, concedeu a seguinte entrevista a VEJA:
Veja – As mudanças globais provocadas pelo ataque ao World Trade Center arruinaram as previsões de muitos futurólogos. O ataque era imprevisível?
Alvin Toffler – Os ataques realmente mudaram o mundo, mas não eram imprevisíveis. Em meus livros lançados há trinta anos, eu já falava sobre o possível crescimento do terrorismo e suas conseqüências para o mundo. Em um deles, apontava o World Trade Center como um dos pontos mais suscetíveis a ataques terroristas. Mas previa um tipo de atentado diferente, não por aviões, e sim um ataque eletrônico, com bombas acionadas por meio de computadores ou algo assim. Não era o único que acreditava nisso. Muitos consultores e especialistas já indicavam essa tendência, mas ninguém levava a sério. Ninguém imaginava que a situação poderia chegar a esse extremo.
Veja – Por que o terrorismo não recorre a armas de maior sofisticação tecnológica?
Toffler – Por mais que ocorram ataques sem uso de tecnologia sofisticada, foram os avanços da tecnologia que contribuíram para o crescimento do terrorismo. Ao mesmo tempo que esses avanços contribuem para o desenvolvimento da economia e da sociedade, também podem ser usados com propósitos criminosos e violentos e, assim, pôr tudo a perder. A tecnologia deu novo incentivo à produção de armas. O problema não é o fato de estarmos produzindo armas mais poderosas, e sim que elas estão cada vez mais baratas e acessíveis. Hoje, armas sofisticadas podem cair nas mãos de qualquer um e se tornar uma ameaça à sociedade. Isso vale não apenas para grupos extremistas, mas também para psicopatas como o americano Timothy McVeigh, que explodiu um prédio e matou mais de 100 pessoas em Oklahoma.
Veja – O senhor acha que o terrorismo será um fator determinante no modo como viveremos no futuro?
Toffler – Vários países, não apenas os Estados Unidos, terão cada vez mais dificuldades em conciliar segurança com liberdade. Com o objetivo de prevenir ataques terroristas, o governo americano precisará ter mais informações de como as pessoas se comportam, quem está fazendo o quê, quem está entrando onde, quem está freqüentando aulas de vôo na Flórida, e assim por diante. A necessidade de fazer isso põe em risco certas liberdades civis que sempre foram colocadas em primeiro lugar nos Estados Unidos e em muitos países. A tendência é que as pessoas tenham cada vez menos liberdade de ir e vir sem ser vigiadas.
Veja – Como as pessoas serão vigiadas?
Toffler – Por meio de câmeras digitais, um dos grandes avanços dos anos 90. Os preços foram baixando e hoje qualquer pessoa pode ter uma. Elas já substituem o guarda de trânsito nas ruas e avenidas. Se você ultrapassar o limite de velocidade, não é o policial que vai pará-lo. É a câmera que tira uma foto da placa de seu carro e depois a multa chega a sua casa automaticamente. A tendência é aumentar ainda mais o uso desse equipamento no futuro. Surgirão modelos cada vez menores, mais baratos e mais potentes. Nós vamos criar uma sociedade investigativa.
Veja – Uma sociedade investigativa?
Toffler – Exatamente. No fim dos anos 40, quando o escritor inglês George Orwell criou o personagem Big Brother (O Grande Irmão, em inglês) no livro 1984, ninguém imaginava que pudesse existir na realidade um governo capaz de monitorar todo mundo com o uso de câmeras. Não só isso está acontecendo hoje, como em um futuro próximo homens e mulheres precisarão se preocupar não apenas com o governo observando todos os seus passos, mas também com o que eu chamo de Big Uncle (O Grande Tio, em inglês). Ou seja, as grandes corporações coletarão as imagens e as conversas da população com objetivos de marketing. E passarão a vender as informações entre elas.
Veja – Isso quer dizer que seremos observados sem saber que estamos sendo vigiados?
Toffler – Sim, isso fará parte do nosso dia-a-dia. As empresas vão observar o que fazemos no supermercado, nas lojas, checando absolutamente tudo: nosso comportamento nos corredores, em frente às prateleiras, tudo o que perguntamos aos vendedores, comentamos com nossa mulher, marido ou filhos. O objetivo será saber mais sobre o consumidor e lhe servir melhor, reduzir os custos com testes e pesquisas de opinião e obter lucros vendendo as informações no mercado.
Veja – Se o senhor pudesse, o que mudaria nas previsões feitas em seus livros?
Toffler – Manteria os temas centrais exatamente do mesmo jeito. Em O Choque do Futuro, eu disse que as mudanças passariam a acontecer de forma acelerada. E que as pessoas e as instituições teriam dificuldades em lidar com essa rapidez. Todos se sentiriam obrigados a ter respostas imediatas, ficariam confusos na hora de tomar decisões e sofreriam muito por causa disso. Isso está absolutamente correto. Mas eu mudaria alguns detalhes. Vários exemplos que usei para ilustrar meu ponto de vista não se tornaram realidade.
Veja – O que não aconteceu?
Toffler – Eu escrevi que quando tudo começasse a mudar de modo acelerado muitas coisas se tornariam temporárias. Isso está correto. Nós temos produtos descartáveis, idéias descartáveis. Periodicamente, somos levados a jogar fora estruturas empresariais inteiras. Somos obrigados a jogar amigos fora. Escrevi que teríamos roupas descartáveis, feitas de papel. Não precisariam ser lavadas, pois seriam descartadas depois de usadas. Bem, isso não aconteceu. Eu também mudaria o que disse sobre clones.
Veja – Por quê?
Toffler – Em 1970, ou seja, trinta anos antes de sair qualquer publicação científica sobre a clonagem, eu disse que iríamos clonar animais. Também disse que iríamos clonar humanos. Acredito que isso vá acontecer um dia. Meu erro foi apenas temporal. Pensei que a clonagem iria ocorrer em 1985, mas demorou bem mais.
Veja – Em que área científica o senhor prevê mudanças mais radicais no futuro próximo?
Toffler – Analisando as tecnologias que estão sendo desenvolvidas nesse exato momento, posso dizer que os maiores avanços serão no setor agrícola.
Veja – Como será esse processo?
Toffler – A agricultura do futuro não terá como prioridade aumentar a quantidade de alimentos, e sim a criação de tecnologias para melhorar a qualidade da produção agrícola. Com os avanços nos estudos da genética, seremos capazes de criar produtos cada vez mais resistentes e de custo mais baixo. A China e a Índia, que têm as maiores populações do mundo, grande parte delas vivendo em áreas rurais, estão investindo pesado em tecnologia agrícola. Com esses avanços, acredito que será possível erradicar a miséria em muitos países em algumas décadas. É claro que essa é ainda uma idéia utópica, pois não é possível fazer isso com as condições atuais de trabalho nas áreas rurais. Será preciso investir mais na educação para que esses avanços realmente aconteçam.
Veja – Os alimentos transgênicos são o resultado de avanços tecnológicos, mas enfrentam grande resistência dos ambientalistas. Por que é assim?
Toffler – Ironicamente, as ONGs, que sempre se mostraram preocupadas em combater a pobreza global e a fome, hoje são as mais interessadas em atacar a produção de transgênicos. Na Europa há ONGs tentando bloquear a importação de alimentos transgênicos de países pobres da África. Com o boicote, esses países foram forçados a diminuir a produção de alimentos. Veja que tudo isso ocorre sem que haja evidências de que os transgênicos trazem riscos para a saúde. Milhões de pessoas já ingeriram esse tipo de alimento e não há comprovação alguma de que tiveram a saúde prejudicada.
Veja – Quais são as conseqüências da batalha contra a pesquisa genética na produção de alimentos?
Toffler – As campanhas promovidas por esses grupos e pela mídia sensacionalista causam pânico desnecessário. Com essa atitude, obrigam os países e as empresas a reduzir a produtividade e a usar métodos primitivos na agricultura. Ou seja, a frear o desenvolvimento econômico e tecnológico. Apesar disso, eu tenho uma visão otimista no quadro geral. Os países do Primeiro Mundo estão investindo bastante em tecnologia e pesquisas de transgênicos. Acredito que aos poucos os alimentos geneticamente modificados começarão a ser aceitos pela sociedade e em um futuro próximo farão parte do dia-a-dia de todas as pessoas.
Veja – As pesquisas espaciais, que tanto furor causavam há trinta anos, hoje despertam pouca atenção. O senhor acha que um dia conquistaremos o espaço?
Toffler – Nós colonizaremos outros planetas ou outros corpos celestes. No futuro, vamos encontrar mecanismos que possam tornar possível essa empreitada. Hoje ainda é inviável e não deve ocorrer em vinte ou trinta anos. Mas vai acontecer.
Veja – O que faz o senhor ter tanta certeza disso?
Toffler – Minha mulher, Heidi, e eu acompanhamos há anos o trabalho de um grupo de cientistas da Nasa. Eles querem saber se os humanos podem viver no espaço. O objetivo é descobrir se há possibilidade de as células permanecerem saudáveis num ambiente sem gravidade. Ou seja, teoricamente, se suas células fossem modificadas, o homem poderia sobreviver bem nesse tipo de ambiente. Os estudos ainda estão em fase inicial, mas já indicam que a conquista do espaço é um sonho possível.
Veja – O senhor previu que a tecnologia causaria mudanças drásticas na família. A estrutura familiar realmente sofreu alterações nas últimas décadas, mas o que a tecnologia tem a ver com isso?
Toffler – As novas tecnologias nunca vêm sozinhas. É um pacote: mudanças tecnológicas, seguidas de mudanças sociais, políticas e culturais. Nos Estados Unidos, esse conjunto de mudanças nas últimas décadas significou um novo modo de vida. A força de trabalho que gerava riqueza passou do uso do bíceps para o uso do cérebro. As pessoas depararam com um novo tipo de economia que mudou praticamente todos os valores da sociedade. Os computadores começaram a ser usados entre o fim da década de 50 e o início dos anos 60. As feministas logo perceberam que as novas tecnologias, que requeriam o uso do cérebro em vez do uso dos músculos, tornariam possível a ocupação de mulheres em postos de trabalho que antes eram prioridade dos homens. Isso realmente aconteceu. Quanto mais os computadores iam se expandindo, mais mulheres começavam a trabalhar. Isso afetou a estrutura familiar e a criação dos filhos.
Veja – Isso foi inesperado?
Toffler – Ninguém imaginava. Anos antes de O Choque do Futuro ser publicado, perguntei a vários especialistas qual seria o futuro da família. Naquela época, os pais iam ao trabalho, as mães ficavam em casa, e cada casal tinha dois filhos, em média. Esse modelo predominava em todas as cidades industriais. Os especialistas opinaram que nada iria acontecer à família, que o núcleo familiar já estava estabelecido e ninguém poderia mudá-lo. Eu duvidei. Não se pode mudar a tecnologia, o trabalho, a base econômica da sociedade sem esperar que também haja mudança na estrutura familiar. Uma coisa é conseqüência da outra. Hoje, a família tradicional é minoria, pois a maioria das mães sai para trabalhar em vez de ficar em casa tomando conta dos filhos 24 horas por dia. Essa foi a primeira mudança em massa.
Veja – O senhor acredita que haverá outras mudanças na vida da família?
Toffler – As mudanças que vemos hoje devem continuar acontecendo. As famílias continuarão menores que no passado, teremos pais solteiros, casais divorciados que se casam de novo duas, três vezes. A sociedade começa agora a aceitar o casamento de gays. O que nós vemos é uma diversificação da família. Nos últimos anos, os americanos começaram a questionar os efeitos dessas mudanças no desenvolvimento de seus filhos. Eles querem desacelerar o processo, mas eu não vejo como voltar atrás.
Veja – O movimento zen, que inclui filosofia, meditação, ioga e esoterismo, tem crescido nos últimos anos. É uma moda passageira ou veio para ficar?
Toffler – Eu acho que alguns detalhes específicos são apenas passageiros, mas há algo maior nisso tudo. O movimento zen é um profundo ataque às idéias e aos valores do iluminismo. O movimento iluminista, dos séculos XVII e XVIII, promoveu a ciência, o ceticismo e o conceito do progresso. Foi o oposto da religião. Naquele tempo, havia um grande abismo entre religião e ciência. A tendência é que as duas coisas se aproximem cada vez mais.
Veja – O que deve acontecer com as religiões?
Toffler – A característica das religiões é a mesma da família. Elas estão se diversificando graças ao acesso cada vez mais fácil à informação. Dentro da mesma religião haverá mais grupos distintos, com idéias e comportamentos diferentes um do outro, principalmente no catolicismo e no protestantismo. Aumentará a competição entre as religiões e os grupos lançarão campanhas de marketing para conquistar fiéis. Nós já vemos um pouco disso hoje, mas com certeza será mais freqüente no futuro.





 FRITJOF CAPRA




Nascido a 1 de fevereiro de 1939 e tendo obtido seu título de Doutor em Física pela Universidade de Viena em 1966, aos 27 anos, o austríaco Frijof Capra é, sem dúvida, um dos nomes mais significativos na divulgação da vanguarda dos progressos da ciência, da filosofia e, unindo tudo isso com consciência, principalmente da ecologia em nossos dias, indo, porém, sua contribuição muito além da mera popularização dos avanços da ciência moderna, o que, entre outras coisas, lhe tem custou a inveja e resistência de inúmeros acadêmicos convencionais. Seu nome está intimamente vinculado, de modo explícito, ao surgimento de uma nova maneira de se entender a ciência e, desta forma, de se compreender a realidade que surge, espontaneamente, do questionamento atualmente presente em várias vertentes da ciência e da arte, envolvendo o modo como interpretamos a realidade e de como esta interpretação afeta nosso comportamento frente a nós mesmos e a natureza.
Ou seja, a obra de Capra reflete todo um clima intelectual e espiritual que atualmente emerge em todo o mundo... Em pensar uma nova maneira mais sensível e significativa de entendimento, propício a uma mudança fundamental da compreensão humana quanto à natureza do conhecimento científico, quer na esfera das ciências físicas, quer na esfera das ciências biológicas e humanas, o que pode implicar, em linhas gerais, uma extraordinária - embora ainda não muito bem sentida e/ou pouco avaliada - transformação cultural. Autores como Alvin Toffler, Alain Touraine, Francisco Maturana, Michel Maffesoli, Frei Betto, Pierre Weil, Leonardo Boff, Stanislav Grof, Roberto Crema e, em especial, Edgar Morin são outros representantes ainda vivos deste movimento que está surgindo independentemente em vários lugares ao mesmo tempo, dentro e fora das academias - em especial fora, pois as academias estão muito dependentes dos recursos provenientes dos meios capitalistas que dizem o que é ou não "interessante" em ser pesquisado e aceito -, seguindo, de maneira mais ou menos independente, suas próprias linhas de pesquisas e que chegam, não obstante suas diferenças de especialização e de ordem cultural e geográficas, a atingir a mesma conclusão epistemológica sobre o atual estado das ciências e do conhecimento humano. Mas em todo este contexto, esta grande tapeçaria de fios inter-laçados, o nome de Fritjof Capra se destaca como sendo o ponto de junção destes vários pensamentos e tendências afins.
Esta Home Page não visa fazer uma apresentação biográfica de Fritjof Capra. Os leitores mais interessados em sua vida e na evolução de seu pensamento poderão obter informações a esse respeito no livro "Sabedoria Incomum - Conversas com Pessoas Notáveis", do próprio Capra. Aqui, farei apenas uma breve apresentação das idéias do físico-filósofo, especialmente no que toca a algumas mais sutis e que são, muitas vezes, pouco discutidas.
Quando mais jovem, curioso e independente, Capra se deixou levar pela singularidade dos movimentos sociais e pela explosão contestatória dos anos 60, a época da "Revolução das Mentalidades", como bem fala a professora Rose Marie Muraro, que representava a reação da juventude e de outros setores da sociedade a todo um aspecto de uma estrutura econômico-social que não estava satisfazendo às aspirações humanas mais profundas, como, por exemplo, liberdade, igualdade, solidariedade e pela sede de se viver em harmonia para além da imposição do consumismo, com o homem e a natureza, de modo orgânico, diante da tecnocracia desumana dominante e das lutas ideológicas entre os blocos políticos divergentes, que fragmentavam e alienavam as relações entre pessoas e povos e impunham, através da cultura de massas e de relações profissionais, formas e normas de dizer que eram [e são ainda] hierárquicas, dominadoras, patriarcalistas e frias, seguindo rígidos modelos ditos "racionais" de divisão de tarefas, transformando as pessoas em burocratas consumidoras e algumas ainda mais que isso...
Estas divisões são consideradas, em nossa herança cientificista calcada no capitalismo, como sendo pragmáticas e úteis diante de um racionalismo mecanicista que é visto como sendo o modo 'superior', ou seja, o "único" correto, de se administrar a sociedade e suas várias estruturas internas. Tal discurso esquece o exemplo da História de que a única constante é a própria mudança e que os pretensos dizeres que justificam cada etapa são sempre discursos de Poder, que visam sedimentá-lo e naturalizá-lo em meio as suas muitas contradições factuais.

O Tao da Física
Em virtude de seu engajamento juvenil ao clima de contestação dos anos 60, que procurava romper os limites e convenções sociais de então - e que dava aos jovens um profundo sentimento de coesão e aproximação, numa identidade revolucionária -, Capra, assim como vários outros, como os Beatles, sentiu-se estimulado a estudar e, acima de tudo, vivenciar formas não ocidentais de percepção do mundo e de resgatar os valores e culturas de povos ou etnias consideradas por nossa arrogância como exóticas ou "inferiores" aos do ocidente industrial. Daí seus profundos estudos sobre a filosofia oriental e das tradições culturais xamânicas e indígenas de outras culturas não ocidentais. Tudo isso, toda essa aproximação com o diferente, porém, feita sem negligenciar, por um só momento, das tradições e do desenvolvimeto intelectual do ocidente, naquilo que ele tem de melhor. Por isso, Capra se encontrava e trabalhava com nomes como Werner Heisenberg, Geoffrey Chew, Stanislav Grof, Gergory Bateson que compartilhavam igualmente de grande interesse por estas culturas, assim como Allan Watts, Carlos Castañeda, e tantos outros. Nunca abandonou suas pesquisas em Física de alta energia e relizou várias delas em universidades como as de Paris, Santa Cruz, Imperial College de Londres e Berkeley. Além disso, ele começou a experienciar algumas abordagens orientais de meditação e exercícios tais como o T'ai Chi Ch'uan e a Yoga, a conhecer o pensamento de filósofos orientais contemporâneos, como Krishnamurti, bem como participar de alguns grupos de encontro naquilo que se chamaria de Psicologia Humanista e em debates sobre Ecologia com pessoas que buscavam experienciar formas alternativas de convivência, de sentir e compartilhar com outros, vivenciando mais plenamente o contato interpessoal, num aspecto que era típico da segunda metade dos anos 60, e que tão forte participação tivera nos movimentos políticos de então.
Em um verão de 1969, Capra estava sentado em frente ao mar, numa praia da Califórnia, observando as ondas e refletindo sobre os vários movimentos rítmicos da natureza: as ondas, as batidas do coração e o ritimo da respiração associando-os ao que ele sabia, intelectualmente, sobre a "estrutura" física da matéria, que é composta de moléculas e átomos em constante vibração... Bom, a união disso tudo, somado aos seus estudos e vivências de tantos anos em Física, juntamente com a visão paradisíaca da praia em que estava, acabou por estimular em Capra, subtamente, aquilo que os piscólogos transpessoais, especialmente Abraham Maslow, chamam de "peak experiences", ou experiências culminantes, que são "estalos" intuitivos, ou, como falam os americanos, "insights" de súbita compreensão intuitiva sobre algo que se percebe e que está, frequentemente, além do nível convencional de racionalização linear... Segundo as palavras do próprio Capra:
"Neste momento, subitamente, apercebi-me intensamente do ambiente que me cercava: este se afigurava a mim como se participasse, em seus vários níveis rítimicos, de uma gigantesca dança cósmica. Eu sabia, como físico, que a areia, as rochas, a água e o ar ao meu redor eram constituídos de moléculas e átomos em vibração constante (...). Tudo isso me era familiar em razão de minha pesquisa com a Física de alta energia; mas até aquele momento, porém, tudo isso me chegara apenas através de gráficos, diagramas e teorias matemáticas. Mas, sentando na praia, senti que minhas experiências anteriores subtamente adquiriam vida. Assim, eu "vi" (...) pulsações rítmicas em que partículas eram criadas e destruídas (...) Nesse momento compreendi que tudo isso se tratava daquilo que os hindus, simbolicamente, chamam de A Dança de Shiva (...)".
"Eu passara por um longo treinamento em Física teórica e pesquisara durante vários anos. Ao mesmo tempo, tornara-me interessado no misticismo oriental e começara a ver paralelos entre este e a Física moderna. Sentia-me particularmente atraído pelos desconcertantes aspectos do Zen que me lembravam os enigmas da Física Quântica (...)
Fritjof Capra in O Tao da Física (com adaptações minhas), Prefácio.
Hoje em dia, 30 anos depois desta experiência, os paralelos entre ciência moderna - a grande semelhança na forma de ver e entender o mundo que advém da exploração da física subatômica, em especial a Mecânica Quântica, e da Teoria da Relatividade de Einstein - e as várias tradições místicas, quer do oriente, quer do ocidente, já é questão muito debatida e quase lugar comum e é reconhecida por inúmeras pessoas, especialmente em cientistas e escritores como Mário Schenberg, David Bohm, B. D. Josephson, Pierre Weil, Stanislav Grof e muitos outros. O próprio Carl Sagan, geralmente tão cético e explicitamente arredio a estes assuntos, em sua obra prima, Cosmos, se detém, em um de seus capítulos, entre estes paralelos. Mas, antes de Capra, poucas pessoas haviam percebido estes paralelos, ainda que entre os poucos se encontrassem nomes de peso como Niles Bohr e Werner Heisenberg. Capra sabia disso, e, por causa desta experiência por que passara em 69, ele se decidiu - na verdade, se arriscou - a escrever um livro que demonstrasse esses extraordinários paralelos. Foi daí que nasceu, em 1975, seu best seller O Tao da Física que mostrou a milhões de pessoas a realidade destes paralelos e deixou claro que, por mais sofisticados que sejam nossas descrições e modelos sobre a realidade, estes serão apenas construtos e mapas de nossa compreensão mental sobre o mundo.
Convém, no entanto, desde já, expor aqui algo que, numa avaliação superfial de muitos - às vezes, com uma adicional dose de polêmica e má fé-, é freqüetemente imputado à Capra:
A Ciência ocidental moderna não é inferior e nem está, grosso modo, simplesmente redescobrindo ou endossando a sabedoria antiga. Ela simplesmente está, por seu próprio método racional e analítico, chegando a um ponto em que suas teorias passaram a refletir uma realidade física que tem muito em comum com a forma de como o místico (o autêntico místico dedicado ao seu desenvolvimento espiritual e do próximo, sem querer impor sua forma de vida e nem comercializá-la como muitos pseudo-místicos de nossos dias) descreve o mundo quando experiência seus estados alterados de consciência. Por isso não faz sentido se abraçar, como alguns dizem, por conta dos extraordinário paralelos existentes sobre a percepção de mundo do físico e do místico, o método do místico para enriquecer a ciência ocidental ou para proporcionar uma síntese entre ambas as abordagens. A mistura dessas duas abordagens seria um erro tremendo, pois teriamos uma massa informe, e não aspectos complementares de se entender a realidade. Capra nunca falou isso, muito pelo contrário. Eis o que ele escreve em O Tao da Física:
"(...) Considero a ciência e o misticismo como manifestações complementares da mente humana, de suas faculdades intelectuais e intuitivas. O físico moderno experimenta o mundo através de uma extrema especialização da mente racional; o místico, através de uma extrema especialização de sua mente intuitiva. As duas abordagens são inteiramente diferentes e envolvem muito mais que uma determinada visão de mundo físico. Entretanto, são complementares, como aprendemos a dizer em Física. Nenhuma pode ser realmente compreendida sem a outra; nenhuma pode ser reduzida à outra. Ambas são necessárias, suplementando-se mutuamente para uma compreensão mais abrangente do mundo. Parafraseando um antigo provérbio chinês, os místicos compreendem as raízes do Tao mas não os seus ramos; os cientistas compreendem seus ramos, mas não as suas raízes. A ciência não necessita do misticismo e este não necessita daquela; o homem, contudo, necessita de ambos. A experiência profunda da mística é necessária para a compreensão da natureza mais profunda das coisas, e a ciência é essencial para a vida moderna. Necessitamos, na verdade, não de uma síntese, mas de uma interação dinâmica entre intuição mística e a análise científica" (1995, p. 228).
Convém dizer que esta mesma idéia é tanto adotada por cientistas, como Grof (1988), LeShan (1993), Goswami (1998) quanto por teólogos, como Leonardo Boff (1994) e Frei Betto (Boff & Betto, 1995) e místicos (Satya Sai Baba), por exemplo. Aliás, já Einstein dizia que "Ciência sem religião é cega; religião sem ciência é paralítica"... Por isso, é bom ter cuidado com as exaltações ou radicalismos de ambos os lados, tanto da ciência extremamente mecanicista, quanto a de pseudo-místicos que pipocam à torto e a direito por todas as partes... O que se pretende é se erigir pontes para a troca interdisciplinar de conhecimentos e se chegar a um entendimento o mais abrangente e unitivo possível de nossa realidade, não uma mistura inconsequente de disciplinas.
O grande sucesso, porém, alcançado por O Tao da Física e o contato com várias pessoas em palestras e aulas, levaram Capra a perceber uma sutil realidade: não era a relação descritiva dos avanços da ciência, em si, e nem a descrição dos insights dos místicos que mais tocavam as pessoas ao lerem O Tao da Física, era um algo mais : "o reconhecimento das semelhanças entre a física moderna e o misticismo oriental faz parte de um movimento muito maior, de uma mudança fundamental de visões de mundo, ou paradigmas, na ciência e na sociedade, que agora estão se manifestando por toda a Europa e América, e que implica uma profunda transformação cultural. Esta transformação, esta profunda mudança de consciência, é o que as pessoas sentiram intuitivamente nas últimas duas ou três décadas, e é por isso que O Tao da Física tangeu uma corda tão sensível" (Capra, 1995, p. 241).
          O Ponto de Mutação
Este "movimento muito maior" de que nos fala Fritjof Capra já era algo que estava no ar desde o início do século... Na verdade, o fracasso das promessas de um paraíso na terra, baseado num ideal puramente capitalista-materialista advindo pelo progresso tecnológico e expresso na crença positivista de que esta por si (como se independente do capitalismo ganancioso que a estimula) resolveria todos os problemas e deixaria as maravilhas da modernidade acessível a todos - e que já era questionada como crença ingênua por muitos desde meados do século passado -, rachou espetacularmente diante da tragédia bizarra da Primeira Grande Guerra, da Segunda Grande Guerra, do Neocolonialismo americano e das ditaduras financiadas na América Latina e de figuras como um Reagan e um Bush. De repente estava muito visível que não era na crença do progresso técnico que estava a questão da possível felicidade humana, mas na maturação psicológica das pessoas que usavam de toda esta tecnologia e na divisão dos frutos do progresso com todos, naquilo que existe de mais fundamental, como educação e saúde e, enfim, na possibilidade de se ampliar as capacidades mais especificamente humanas, como a fraternidade e o altruísmo.
O sucesso do desenvolvimento tecnológico era inquestionável e foi tal seu impacto na sociedade que era realmente muito difícil não se deixar fascinar pelas grandes maravilhas que estavam realmente promovendo o progresso social e, igualmente, trazendo conforto e reduzindo as distâncias entre os indivíduos e, em certo sentido, entre as nações. Mas também trouxe, no rastro da Revolução Industrial, o início de uma era de desigualdades sociais e de crescente alienação familiar, profissional e política. Karl Marx e tantos outros apontaram, de modo contundente, toda a crueza de um desenvolvimento parcial mais calcado nos ganhos materiais de uma minoria que no equilíbrio entre bens e bem-estar social. Mas as idéias, tão arduamente difundidas pelo positivismo e tantas outras escolas, especialmente as do Darwinismo-Social, enfatizavam de modo dramático (e parcial) a decantada vitória do Homem Ocidental (homem mesmo, pessoa do sexo masculino) sobre a Natureza (que era entendida, mesmo de forma inconsciente, como fêmea). Claro está que todo este desenvolvimento era financiado pelos grandes e recém-enriquecidos capitalistas, o que, de certo modo, acabava por influenciar igualmente, neste contexto, a filosofia da ciência. Max Weber, em especial, possui excelentes estudos em Sociologia sobre isto, como, por exemplo, em A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. E muitos outros autores escreveram e pesquisaram amplamente sobre isso, embora, como é óbvio, estas pesquisas e idéias ficassem restritas a poucos estudiosos, já que o capitalismo dava as cartas sobre o que devia ou não ser conhecido ou divulgado.
Mas estas percepções, bem ou mal, começaram a ser incomodamente sentidas por todos. Filmes como Metrópolis, do alemão Fritz Lang, ou Tempos Modernos, do britânico Charlie Chaplin, expressavam, nas telas, algo que há muito tempo se sentia, mas que não se conseguia por facilmente em palavras. Moviementos artísticos, como o Dadaísmo e tantos outros, expressavam, pela arte, o desencanto diante da alienação humana e afetiva diante da mecanização das relações de trabalho. Movimentos, como a Escola de Frankfurt, na Alemanha, e os vários movimentos operários na Europa estavam questionando vividamente o porquê da vida nas grandes cidades serem tão mecânicas, críticas feita especialmente à fragmentação extrema e extrema alienação no trabalho que advinham de escolas como, por exemplo, o taylorismo e o fordismo. A Revolução Russa de 1917, por fim, parecia ser a materialização da revolta que crescia entre a maioria da população do mundo frente as grandes desigualdades sociais. Claro, o capitalismo lucrativo teve de se movimentar rápido para neutralizar o "perigo" da ameaça comunista, e nisto tiveram excepcional ajuda de um tirano como Joseph Stalin e da imaturidade de muitos "comunistas" ao redor do mundo...
Todo esse caldeirão de 'sentimentos no ar', vinha sendo sentida e, por fim, tiveram uma explosão mais óbvia até mesmo nos Estados Unidos, que ainda parecia estar imune a esta movimentação toda, mas que veio à tona nas décadas de 60 e 70. Este boom de mobilizações sociais ocorriam paralelamente a uma outra grande revolução no campo da própria ciência, que, em um estado fundamental, ajudou a erigir o quadro mecanicista que provocou o questionamento do modo de vida mercantilista da sociedade ocidental mas que, agora, dava à conhecer novas descobertas que minavam a visão de mundo causal, determinista e materialista dominante. Infelizmente, porém, a reação conservadora e poderosa dos capitalistas não se fizeram de rogada, e, manipulando a mídia e os mercados, impuseram nomes como Reagan, Tatcher, João Paulo II, Collor, Bush e outros para freiar e reverter "a Revolução das Mentalidades".
Capra passou anos estudando e avaliando o que havia descoberto enquanto o Tao da Física corria o mundo. Seu contato com pessoas extraordinárias como Gregory Bateson, Ilya Prigogine e tantos outros o levaram a amadurecer as ideás que se expressam no que, talvez, seja o seu mais importante livro, ou pelo menos, seu livro mais lido e comentado: O Ponto de Mutação, que foi publicado em 1982.
Neste livro, Capra investiga as implicações e impactos do que tomava a forma de uma mudança de paradigmas, como havia previsto e estudado o físico Thomas Kuhn, mais de 20 anos antes. O ponto de partida desta investigação foi a observação de que os principais problemas visíveis do século XX - ameaça nuclear, destruição do meio ambiente, desigualdades e exploração gritante entre Norte e Sul, preconceitos políticos e raciais, etc. - são todos sintomas ou aspectos diversos do que, no fundo, não passa de uma única crise fundamental, que é uma crise de percepção, uma percepção distorcida baseada no individuais e na separatividade entre pessoas, coisas e eventos.
Esta crise é promovida quando, pela educação, cultura e ideologia dominantes, nós e nossas instituições adotamos conceitos e introjetamos valores que, apesar de sentidos como obsoletos, servem para justificar e racionalizar sentimentos menos nobres como a avareza, por exemplo. Quando estes conceitos e valores tomam a roupagem do racionalismo científico, então, parece haver uma catarse coletiva, já que, mesmo que estejamos agindo contra o bem-estar comum, especialmente na agressão ao meio-ambiente, estamos igualmente "agindo de forma científica ou, ao menos, racional". Passamos a nos sentir menos culpados e mais ligados a uma ideologia que justifica nossas atitudes insanas. Mas, agora, estas atitudes, por mais que possam ser racionalizadas, se mostra como muito próxima de uma esquizofrenia suicida geral diante das mazelas que ela tem feito a um mundo superpovoado e globalmente conectado.
Ao mesmo tempo em que a grande maioria, até mesmo por questão de sobrevivência (não tendo o direito à vivência da existência) e por ignorância ou desconhecimento da realidade subjacente à crise atual, que é uma crise de percepção (veja-se, por exemplo, o papel da Mídia no Brasil para a manutenção do status que de uma elite corrupta detentora da maior parte da Renda produzida na nação, e para o continuismo do poder atual), atrela-se ao modus operandi atual, um grupo muito importante de pessoas, que vão de vovôs, cientistas, filósofos e pesquisadores até a grupos de estudantes, ONGs, religiosos e outros, formam numerosas redes alternativas que questionam e desenvolvem uma nova visão de realidade que formará a base das tecnologias e das relações sociais e econômicas, se o deixarem e não apertarem o botão, do nosso futuro.
O atual paradigma, que já nós deu inúmeras mostras de esgotamento e de incapacidade de solucionar inúmeros problemas básicos e existenciais do ser humano, vem dominando amplamente nossa cultura e educação há quase 400 anos, desde que Copérnico conseguiu, graças a Deus, enfrentar os dogmas rígidos e ultrapassados da Igreja Católica, abrindo espaço para a Revolução Científica de fins da Idade Média, e que, com o tempo, nos legou nomes como Galileu, Descartes e Newton... Este paradigma atual, que Capra chama de newtoniano-cartesiano, teve um impacto benéfico ao libertar a razão das amarras da superstição e do controle eclesiástico, mas foi,com o tempo, hipertrofiado. Ele consiste numa série de idéias e pressupostos, com determinados valores implícitos, que acaba por ser o referencial subliminar de nossa modo de entender o mundo já que é a base filosófica pelo qual a ciência se apóia e é o modelo usado na educação de nossos filhos.
Não podemos, no atual estado de evolução do mundo adulto, expressar as nossas experiências com e no mundo sem que tenhamos de interpretá-las intelectualmente, e esta interpretação, em suas características básicas que devem ser compartilhada com/pela a maioria das pessoas, depende da filosofia subjacente com que encaramos os dados sensoriais. Esta filosofia subjacente é que constitui o paradigma newtoniano-cartesiano.
Ele pressupõe, grosso modo, que o universo que nos engloba é uma grande máquina mecânica - ou age como tal - que é inteligível se nós nos lembrarmos de que ela, tal como um relógio, nada mais é que um composto, formado por pequenas partes elementares, os átomos. Por isso, tudo o que neste universo existe, inclusive os seres humanos, pode ser entendidos da mesma forma, ou seja, como uma máquina biológica igualmente composto por átomos "burros", mas que, por obra do acaso, durante bilhões de anos de evolução cega, chegou, de uma forma complexa, a produzir vida consciente (consciente? Alguns cientistas, como os behavioristas radicais da escola de B.F. Skinner, chegam a negar que ela exista).
Este modelo, sendo mecanicista e materialista em essência, também postula o domínio da Natureza máquina pelo homem-máquina e exige, em termos econômicos, um ilimitado crescimento material a ser conquistado de forma exponencial mediante o crescimento econômico e tecnológico. E este aspecto, de conquista e domínio da Natureza, reitera, inconscientemente, a convicção de que a força do "homem", do macho, e sua ação, é mais produtiva, tornando "natural" a consideração (que vem desde a herança hebráica adotada pelo cristianismo pós-Cristo) de que a mulher é subordinada ao homem. Porém, desde a revolução promovida por Einstein na Física, e com o abalo feito em nossos pressupostos clássicos pela mecânica quântica, passando por eventos e questionamentos sociais, toda essa visão de mundo bem amarradinha passou a ser severamente questionada e, com a evolução subsequente, tem mostrado sérias limitações que exigem uma revisão radical.
A questão da mudança radical nos conceitos de espaço, tempo e matéria, que advéio da Física Moderna, Capra já tinha discutido em O Tao da Física, mas faz uma apresentação mais acessível em O Ponto de Mutação. Em especial, durante toda a obra, Capra faz uma crítica fundamental à mentalidade analítica e fragmentadora da ciência normal, em especial, às ciências que tomam o método analítico da Física Clássica de Newton como modelo que deve ser seguido para erguer as demais ao status de ciência perante a comunidade acadêmica (é interessante observar a obsessão de algumas pessoas com isso. Alguns Psicólogos Sociais só se sentem bem quando reduzem pessoas e comportamento complexos, artificialmente, a números e gráficos cartesianos, para se verem como físicos sociais). Cabe salientar que a própria Física já superou esta mentalidade das bolas de bilhar atômicas que rolam numa mesa tridimensional, o espaço, segundo as forças que atuam sobre elas de forma determinística, embora a maioria dos físicos tenham ainda uma percepção newtoniana do mundo.
Vejamos, agora, algumas das mudanças radicais que advém da construção de um novo paradigma, feito pelas ciências de vanguarda, especialmente a Física, a Biologia, a Cibernética, a Ecologia e a Psicologia não-behaviorista e não-freudiana:
Não faz mas sentido se falar em blocos de construções básicos ou entidades físicas fundamentais, como os átomos indivisíveis de Demócrito e Newton, que é o postulado metafísico básico da mecânica clássica. Ao nível subatômico e ao nível ecológico não faz sentido mais se falar em peças isoladas que interagem entre si, mas em padrões de relações entre partes que estão inclusas em uma estrutura maior, um todo dinâmico, sendo a relação em si mais importante que as partes que "sentem" esta relação... Einstein demonstrou que matéria não é nada mais que energia condensada, sendo esta condensação, segundo a teoria Geral da Relatividade e da Teoria Quântica, nada mais que um "nó" no espaço, ou seja, um elétron, por exemplo, nada mais é que a condensação de energia num ponto do campo sutil que é o espaço. Em termos grosseiros, nada mais é que um 'caroço' de energia condensada. Além do mais, o comportamento do elétron depende do comportamento do átomo todo e deste com os demais átomos e campos que o cercam e interagem continuamente com ele. Neste sentido, é mais correto se falar em eventos e inter-relações como a descrição da realidade do que dizer que determinadas partes atuam de tal ou tal forma para definir o todo. Esta é exatamente a mesmíssima idéia da Ecologia: somos frutos em interação do ambiente natural, e não independentes dele. O que fazemos contra a natureza fazemos, de modo brutal e estúpido, a nós mesmos...
Um segundo ponto fundamental, que está correlacionado com o primeiro acima descrito, é que o modo como nós, seres humanos, interagimos com o mundo, dentro de uma determinada visão de mundo, acaba por influenciar nas respostas que este nos dá. Isso é particularmente dramático na Física, onde um elétron possui uma dupla caracterítica extremamente paradoxal: ele pode ser, ao mesmo tempo, uma partícula (como geralmente o entendemos e pensamos que seja) como pode ser algo completamente diferente e, em última instância, completamente contraditório a uma partícula... Ele pode, simplesmente, estar em mais de um lugar ao mesmo tempo, porque possui característica de onda... E a forma como ele vai se apresentar para a gente vai depender da forma como nós esperamos que ele apareça! Desta forma, a natureza só nos dá, em parte, aquilo que nós esperamos, ou melhor, acreditamos que ela nos dará. Isso aponta para algo que sempre foi negligenciado ou nem mesmo pensado: nossas teorias sobre o mundo, não são descrições desse mundo, mas mapas conceituais que se auto-validam dentro de nossas convenções do que seja válido ou não em ciência. Isso é grave e exige uma mudança da ciência objetiva (em que se crê que o observador nada tem haver com o objeto observado) para uma ciência epistêmica, em que tem de se levar em conta o próprio processo humano de conhecer e fazer ciência. No final, a natureza é um espelho de nossos próprios modelos mentais sobre a natureza.
Isso implica que não pode haver uma ciência acabada, com postulados fundamentais fixos. O conhecimento humano é um edifícil que está longe de ser sólido e concluído, e, frequentemente, ele escolhe algumas pedrinhas e descarta outras a priori, devido ao paradigma fundamental que diz o que é e não é válido em ciência. Thomas Kuhn, em especial, nos mostra que os fundamentos científicos, vez por outra, sofrem uma abalo tremendo, o que implica na reconstrução de todo o prédio conceitual e, com isso, mudam as janelas e a forma de olharmos a realidade. Isso ocorre no período denominado de Revolução Científica, que, em nosso século, foi exemplificado pela Teoria da Relatividade, Teoria Quântica, Cibernética, Ecologia e Psicologia Transpessoal.
No final, o que Capra deixa bem claro é o seguinte: A sobrevivência humana, que é ameaçada por várias ações igualmente humanas advinda de uma visão de mundo mecanicista e fragmentada, só será possível de formos capazes de mudar radicalmente os métodos e os valores subjacentes à nossa cultura individualista e materialista atual e à nossa tecnologia de exploração do meio-ambiente. Esta mudança deverá, logicamente, refletir-se em atitudes mais orgânicas, holísticas e fraternas entre os seres humanos e entre estes e a natureza, em todos os seus aspectos. Claro, Capra discorre esplendidamente sobre tudo isso de maneira muito mais aprofundada e interessante do que me seria capaz de expor aqui. Recomendo, pois a leitura de O Ponto de Mutação.
A Teia da Vida
O mais recente livro de Fritjof Capra, A Teia da Vida, retoma a visão de interligação ecológica de todos os eventos que ocorrem na Terra e da qual fazemos parte, de forma fundamental. Em muitos pontos, este pode ser o livro mais profundo dos já escritos por Capra. Ele nos apresenta seu conceiteo de Ecologia Profunda neste livro, um termo que, para ele, é mais apropriado que o termo 'holístico', já bastante gasto por pessoas que se apropriaram erroneamente deste termo para comercializá-lo. Nada melhor, então, do que lermos o próprio Capra...
"O novo paradigma que emerge atualmente pode ser descrito de várias maneiras. Pode-se chamá-lo de uma visão de mundo holística, que enfatiza mais o todo que as suas partes. Mas negligenciar as partes em favor do todo também é uma visão reducionista e, por isso mesmo, limitada. Pode-se também chamá-lo de visão de mundo ecológica, e este é o termo que eu prefiro. Uso aqui a expressão ecologia num sentido muito mais amplo e profundo do que aquele em que é usualmente empregado. A consciência ecológica, nesse sentido profundo, reconhecer a interdependência fundamental de todos os fenômenos e o perfeito entrosamento dos indivíduos e das sociedades nos processos cíclicos da natureza. Essa percepção profundamente ecológica está agora emergindo em várias áreas de nossa sociedade, tanto dentro como fora da ciência.
"O paradigma ecológico é alicerçado pela ciência moderna, mas se acha enraizada numa percepção existencial que vai além do arcabouço científico, no rumo de sua consciência de íntima e sutil unidade de toda a vida e da interdependência de suas múltiplas manifestações e de seus ciclos de mudança e transformação. Em última análise, essa profunda consciência ecológica é espiritual. Quando o conceito de espírito humano é entendido como o modo de consciência em que o indivíduo se sente ligado ao cosmo como um todo, fica claro que a percepção ecológica é espiritual em sua essência mais profunda, e então não é surpreendente o fato de que a nova visão da realidade esteja em harmonia com as concepções das tradições espirituais da humanidade".

Bibliografia

·         O Tao da Física / The Tao of Physics (1975)
·         O Ponto de Mutação / The Turning Point (1982)
·         Sabedoria Incomum / Uncommon Wisdom (1988), um livro excepcional com idéias contemporâneas sobre ciência, metafísica, religião, filosofia e saúde.
·         Pertencendo ao Universo / Belonging to the universe: Explorations on the frontiers of science and spirituality (1991), livro que recebeu o American Book Award em 1992.
·         A Teia da Vida - Uma Nova Compreensão Científica dos Sistemas Vivos / The Web of Life - A New Scientific Understanding of Living Systems (1996)
·         As Conexões Ocultas - Ciência para uma Vida Sustentável (2002)


 20 de maio de 2011 


Fritjof Capra: a sociedade é um sistema conectado


Um dos mais importantes propagadores da ciência, filosofia e ecologia, Capra entende que uma nova forma de poder está se consolidando a partir da difusão das redes sociais. Ele foi um dos palestrantes da Conferência Internacional de Cidades Inovadoras (CICI 2011), realizada em Curitiba pela Fiep

Por Greta Mello

Termina hoje a Conferência Internacional de Cidades Inovadoras (CICI) 2011, que acontece desde terça-feira, dia 17 de maio, na Federação das Indústrias do Paraná (Fiep), em Curitiba. Estiveram no evento mais de 200 palestrantes, entre eles nomes como Jaime Lerner, ex-prefeito de Curitiba, e Parag Khana, ex-assessor político do atual presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. O físico Fritjof Capra, autor de livros como o Tao da Física, Ponto de Mutação e As Conexões Ocultas, foi a grande atração da noite de quinta-feira, dia 19.

Saudando o público com um longo cumprimento em português, o austríaco conquistou, de cara, a simpatia das mais de 2 mil pessoas que lotaram o auditório para assisti-lo – muitas delas de pé. Fritjof Capra defendeu que estamos diante de um novo momento, em que o mundo passa a ser entendido como uma rede. "Todos aqui conhecem as redes sociais como Twitter e Facebook, mas muitas décadas antes deles serem desenvolvidos os cientistas já haviam descoberto que as redes são a base dos sistemas vivos, o modelo comum da vida", disse. O que as redes sociais fazem é potencializar essas conexões.

Capra falou que estamos saindo de uma sociedade de máquinas para entrar em um sistema conectado. "Hoje, o poder não acontece mais através do controle, de processos hierárquicos, mas pelas conexões." E completou: “Essa força de comunicação é bloqueada nos Estados Unidos porque as organizações não querem essa mudança. Mas aqui, no Brasil, existe uma boa comunicação entre governo, empresas e sociedade civil. E vocês deveriam tirar proveito disso", sugeriu.









Dalai Lama propõe novos paradigmas e métodos gerenciais



Como os princípios morais, a educação do coração e um novo olhar nas negociações podem revolucionar empresas, mercados e lideranças

Em sua palestra a empresários de São Paulo em 15 de setembro de 2011, no evento “Uma nova consciência nos negócios”, iniciativa do Fórum de Líderes Empresariais e da Associação Palas Athena, o que o Dalai Lama propôs foi bem mais profundo do que pode parecer aos que se deixam iludir pela espontaneidade de suas palavras. Transportando para o jargão do meio corporativo, ele sugeriu às empresas nada menos do que novas métricas de desempenho, a adição de um paradigma gerencial além do dinheiro e um novo método gerencial de resolução de problemas. 

A mudança é tão ambiciosa e, ao mesmo tempo, tão sensata, que faz por merecer, no mínimo, algumas reflexões e discussões estruturadas nos ambientes de trabalho.
Eis as quatro principais propostas apresentadas pelo Dalai Lama:

1.   A adoção de métricas de desempenho mais abrangentes do que as atuais.
Segundo o líder espiritual, consequências negativas inesperadas são indicadores indiscutíveis de que as coisas vão mal no modo atual de fazer negócios e, apesar disso, continuam sendo desconsiderados nas avaliações das lideranças. Devem ser incluídos com urgência, em sua opinião.
Entre os exemplos que o Dalai Lama citou está o elevado número de gestores com problemas de saúde (um médico norte-americano lhe disse já haver pesquisas relacionando as pessoas desconfiadas que hoje povoam o ambiente corporativo com a maior incidência de doenças do coração), as mortes em massa que houve por conta de guerras e fome no século 20, o congestionamento de carros nas ruas das grandes cidades.
Para ele, tudo isso traz prejuízos aos negócios e é causado pelos negócios em última instância (ou seja, é gerado pelo modo de produção atual). Portanto, tudo isso precisa passar a ser visto como indicador de que o sistema não está funcionando bem. 
2.   O uso de princípios morais, além de dinheiro, como paradigma gerencial principal.
Não é o dinheiro (ou a busca por dinheiro) que causa os problemas, assim como não é o dinheiro sozinho que os resolve. Se apenas dinheiro resolvesse, observou Sua Santidade, os Estados Unidos, com sua riqueza, não estariam vivendo as dificuldades que vivem atualmente.
De acordo com o líder espiritual, as pessoas devem começar a entender a verdadeira causa da maior parte dos problemas correntes: a falta de princípios morais. É o que faz com que as pessoas se sintam solitárias por dentro e suspeitem de todo mundo – o que as leva à ganância e, por tabela, às especulações que vêm causando as últimas crises financeiras.
A adoção de princípios morais entre as pessoas corporativas levaria as corporações a acabarem com a hipocrisia reinante e a serem verdadeiramente transparentes.
A corrupção, que existe tanto em governos como em empresas, alimenta-se dessa falta de princípios morais, raciocinou o Dalai Lama, e gera mais e mais problemas. Sua Santidade não poupou a mídia nesse diagnóstico: ”a mídia tem nariz comprido”, disse, numa alusão ao mentiroso Pinóquio, acrescentando que é preciso inserir princípios morais também nos meios de comunicação.
Ozires Silva, fundador da Embraer e organizador do Fórum de Líderes, já tinha se queixado do viés – ultrapassado – da mídia, que é o de priorizar as más notícias, o que funcionaria como um reforço negativo (e deseducativo) sobre a sociedade.
A lógica por trás do que disse Silva é: o bom, muitas vezes, é mais raro e relevante do que o ruim e, por isso, merece mais destaque jornalístico. Voltando ao raciocínio do Dalai Lama, a mídia estaria focando o ruim também por medo, ou seja, por suspeitar intrinsecamente de todas as pessoas –de novo, a ausência de princípios morais está na raiz do problema.
3.   Uma reforma educacional mundial, visando ensinar primeiro ao coração e depois ao cérebro – e que seja secular.
Frisando que não tem nada contra a ciência e a tecnologia, o Dalai Lama alertou que seus usuários podem oferecer grandes riscos à sociedade se seus corações não forem devidamente educados.
A provocação de Sua Santidade se mostrou, no mínimo, interessante: para ele, o verdadeiro embate educacional não está entre conteudismo e construtivismo, como se discute hoje,  mas na necessidade de priorizar, ativamente, o cultivo da inteligência emocional (dos princípios morais), para, só depois, cultivar o cérebro. Assim, sentimentos como compaixão devem ser ensinados e nutridos nas escolas.
Quando mencionaram na plateia a baixa qualidade da educação no Brasil, Sua Santidade observou: o Japão e outros países asiáticos têm alta qualidade de educação e uma taxa de suicídio crescente entre os estudantes; há algo errado nisso, não?
No entanto, essa educação do coração não pode ser, jamais, vinculada a alguma religião, segundo o Dalai Lama.Essa educação do coração precisa, obrigatoriamente, incluir o respeito à diversidade das opções religiosas e à não religião também.
4.   Uma mudança radical no método atual de resolução de problemas.
 Mostrando realismo, Sua Santidade afirmou que os problemas nunca acabarão por completo –problema sempre existirá. O que ele pregou foi que o método tradicional de resolver problemas (pela força, baseado em poder) seja substituído por um método mais espiritual e eficaz, que é o da negociação. Não importa quanto demore nem quanto custe, a negociação deve ser o princípio inegociável da resolução de problemas. Sua maior eficácia é indiscutível, advogou o Dalai Lama.
(...)
Portal HSM
16/09/2011


A grande mudança de paradigma
Viviani Bovo e Walther Hermann
Sinopse
Uma reflexão sobre o momento presente, no qual diferentes formas de pensar e compreender o mundo estão nascendo (Pensamento Holístico ou Sistêmico) a partir de uma mentalidade mais antiga que já não serve mais para explicar satisfatoriamente os fatos e experiências contemporâneas. Essa nova maneira de observar e entender o mundo, em construção no mundo ocidental, proporcionará à humanidade mais sabedoria para equacionar os dramas e tensões decorrentes da modernidade e do desenvolvimento da ciência e da tecnologia, apesar dos métodos de educar e aprender ainda serem bastante antigos!
Contexto
A cada nova geração de idéias e paradigmas, um conflito se apresenta entre defensores do passado (conservadores) e do futuro (visionários)! Os conservadores, muitas vezes, esquecem-se que a mudança e a transformação são as únicas verdadeiras constantes.
Se existe uma pressão evolutiva que impulsiona o mundo de nossa experiência a se tornar cada vez mais complexo, mais organizado e mais desenvolvido, os agentes das transformações e das novidades nem sempre tratam com a devida gratidão as bases conceituais e o conhecimento que lhes serviram de apoio ou trampolim para alcançarem posições conceituais mais elevadas, complexas e sofisticadas.
Enquanto isso, velhos expoentes e representantes de antigos paradigmas, aprisionados em seus modelos e crenças, fecham-se para novos desafios e rejeitam irrefletidamente propostas revolucionárias. Esquecem-se que a história da Ciência está repleta desses exemplos nos quais o grande vencedor deve ser sempre o conhecimento!
Artigo
Certa vez, perguntaram a um grande físico prêmio Nobel, enquanto discutia o Princípio da Incerteza de Heisemberg, qual seria o conceito complementar à clareza... Depois de uma breve reflexão, respondeu que seria a precisão! Sua explicação final foi que, para sermos claros, devemos ser simples, em geral, sacrificando a precisão... Para sermos precisos, devemos ser detalhados, extensos ou complexos, ocasionalmente confusos e, portanto, podemos perder a clareza.
Esse breve episódio foi mencionado aqui para delimitar uma transição essencial, que se iniciou no século passado, em direção ao nascimento de uma nova mentalidade na civilização ocidental: a mudança de paradigma do pensamento linear e mecanicista para o pensamento não linear, holístico ou sistêmico.
Evidentemente, mais de um século está sendo necessário para que, a partir do berço do conhecimento, o ambiente acadêmico e científico, lentamente tais ideais se materializem em tecnologia e cheguem ao mercado na forma de novos padrões de comportamentos, procedimentos, técnicas e equipamentos acessíveis ao grande público (este ainda num lento processo de conscientização), dado às vagarosas mudanças de hábitos de raciocínio e pensamento.
As sementes dessas transformações já existiam no passado, no pensamento filosófico, já na Grécia antiga, na cultura oriental (especialmente a chinesa) ou mesmo na compreensão de algumas culturas conhecidas como indígenas, entretanto pertenciam às elites intelectuais de suas comunidades. Assim sendo, esse artigo tem a finalidade de contribuir para a difusão de tais ideais que, certamente, serão patrimônio da mentalidade universal em breve.
Isso, entretanto, não significa que devamos abandonar ou desvalorizar a lógica linear simples, muito pelo contrário, o paradigma cartesiano (simplificadamente, concebido a partir de uma simplificação da realidade, quando se admitia que toda a realidade poderia ser compreendida através da mecânica newtoniana, isto é, representada por equações matemáticas) nos permitiu chegar aonde chegamos! E somente por ter sido explorado em todas as suas dimensões e limites é que revelou suas deficiências (podia equacionar apenas uma pequena parte da compreensão da realidade) e despertou-nos para a necessidade de termos um modelo mais abrangente.
Dessa forma, para prosseguirmos com nossas idéias, gostaria de lembrar três ou quatro questões já apresentadas em outros artigos, porém de fundamental importância para a argumentação que sustenta essa reflexão.
Certa vez, durante uma palestra, uma senhora perguntou-me o que eu a aconselhava que fizesse com seu filho de nove anos de idade destruidor de brinquedos! Contou ainda que já tentara diversas vezes faze-lo compreender que deveria cuidar de seus brinquedos e conserva-los. Ultimamente, lhe dizia que não lhe daria mais brinquedos enquanto ele não aprendesse a conserva-los. Porém, quando o via à frente da televisão sem brinquedos para brincar, não resistia e comprava-lhe outro novo. E assim estava estabelecida a rotina da qual reclamava. Bem, a exposição um tanto longa dera-me tempo para elaborar a resposta e, quando por fim, fez a pergunta, respondi que tinha pelo menos três respostas diferentes!
A primeira delas era a mais importante de todas para o seu filho. Disse a ela que eu também fora uma criança que destruía brinquedos! E, mais tarde, quando adulto, descobri que isso era apenas o primeiro degrau de uma jornada na qual conquistei uma valiosa habilidade de manipular o mundo das coisas materiais! Quebrar brinquedos foi apenas a primeira manifestação desse interesse em explorar o universo das coisas... Passada essa fase, essa curiosidade me levou a desenvolver a habilidade manual e intelectual de consertar e construir coisas: em madeira, metal, eletricidade, hidráulica ou mecânica simples, e até mesmo eletrônica! E tais competências permanecem ainda muito valiosas para mim no presente! Então ela sorriu...
Disse-lhe assim, que havia ainda duas respostas... A segunda era a mais importante para mim, enquanto educador. Contei-lhe que sua atitude incoerente certamente estaria contribuindo para que aquela criança começasse a mentir, fizesse chantagem e tentasse manipula-la! Pois, ao descumprir suas promessas de não lhe dar mais brinquedos, já que seriam quebrados, essa criança estava descobrindo que os adultos não dizem o que fazem, nem fazem o que dizem! A semente da incongruência já estava plantada... Nesse momento percebi que ela estava bastante desconfortável e incomodada à frente de uma platéia de aproximadamente cem pessoas...
Por fim, disse-lhe que ainda havia a terceira resposta, a mais importante de todas para ela, enquanto mãe: sugeri que não deveria acreditar em nada do que eu dissera, pois eu era apenas um educador que não tinha filhos! E todos nós sabemos que muitas teorias, na prática, podem ser bastante diferentes! Então percebi que ela se descontraiu e relaxou.
Esse episódio ilustra com elegância, em minha opinião evidentemente, alguns fatos concorrentes para a grande mudança de paradigma do pensamento linear para o pensamento sistêmico ou holístico: primeiramente, as perguntas não possuem apenas uma resposta! Podem ter, e de fato, geralmente possuem várias respostas, mesmo que, contraditórias (caso queira aprofundar essa questão, leia o artigo "Perfeitamente Imperfeito" publicado nessa 'newsletter'). Essas são as verdades profundas, isto é, embora discordantes, cada uma das três respostas continha uma verdade parcial. Isso contrapõe a concepção de que a negação de uma verdade deva ser uma mentira.
Se eu disser que sou uma pessoa alegre, pouco comunicativa e inteligente, necessariamente não significa que eu nunca esteja muito triste, seja profissionalmente palestrante ou não faça burrices e asneiras homéricas! Verdades Profundas são aquelas cuja negação também é verdadeira! Creio que era sobre isso que aquele cientista desejava falar quando escolheu a clareza como antagônica ou complementar à precisão, sendo que os verdadeiros antônimos para os conceitos anteriores deveriam ser, respectivamente, escuridão ou obscuridade e imprecisão.
Ele possivelmente desejava contextualizar sua resposta ao seu universo de experiência, evidenciando ainda o quanto tinha sido influenciado pelas pesquisas e descobertas da física quântica, em sua época. Um modelo científico incompatível com a lógica simples, dado que nas pesquisas desse campo do conhecimento, a Realidade é muito sensível à presença e à intenção do observador (cientista), não possuindo um comportamento previsível, isto é, uma única verdade!
Por outro lado, se eu afirmar que sou magro, alto e loiro, isso significa que, quando eu disser o contrário, estarei mentindo. Essas são as verdades simples: aquelas cuja negação é falsa - são exclusivas de outras possibilidades.
Essa história ainda mostra que a realidade e a causalidade podem ser compreendidas (para facilitar o entendimento) como estruturadas em 'camadas', em níveis paralelos e coexistentes, como se possuíssem dimensões de significado que se interpenetram no mesmo tempo e espaço. Uma conclusão simples disso é que quando alguém lhe disser que um determinado fato aconteceu porque..., você pode admitir que tal afirmação seja pura fantasia, pois a Realidade é condicionada por incontáveis fatores, causas e variáveis!
Atualmente até os computadores estão sendo projetados e imaginados para 'pensar' de uma forma não linear, sendo que essas pesquisas de vanguarda são possíveis pelo fato dos seres humanos que os concebem possuírem a habilidade de pensar sistemicamente ou, como gosto de definir, pensar de forma mosaica ou circular. Se você observar bem, as analogias e relações que estabeleço em meu discurso e nos artigos possuem um pouco dessa estrutura - faz parte da metodologia adequada para estabelecer novas conexões mentais e conduzir o ouvinte ou leitor ao "insight".
Tal abordagem também é uma poderosa estratégia muito utilizada nos 'koans' budistas (histórias ou proposições paradoxais) ou anedotas Sufis responsáveis pela ruptura com condicionamentos mentais nessas práticas filosóficas. Gosto muito do seguinte exemplo: se eu disser que eu sou mentiroso, o que eu estou dizendo? Absolutamente nada! Pois posso ter mentido ao afirmar que mentia, então estaria dizendo a verdade... Esses colapsos da lógica simples estimulam o indivíduo a perceber além das palavras e a transcender a realidade objetiva simples, despertando a habilidade de pensar em múltiplos níveis e de forma não linear. A tensão mental e emocional transforma-se no combustível ou trampolim que impulsionam a consciência a um salto de nível de compreensão (um curioso estado alterado de consciência - transe), ocasionalmente experimentado quando despertamos para o humor contido em alguma piada: 'quando cai a ficha' - o "insight"!
Creio que os orientais possuam uma facilidade adicional para treinar o pensamento não linear, como a própria cultura deles já foi capaz de mostrar, especialmente porque a própria linguagem deles (ideogrâmica) não é seqüencial como as dos ocidentais. A escrita ideogrâmica é simultaneamente processada pelos dois hemisférios cerebrais (levando-se em conta esse modelo de compreensão das funções cerebrais cognitivas), sendo que o hemisfério cerebral direito é admitido como sítio das habilidades de síntese, criatividade, capacidade de visualização e a sensibilidade poética e artística, entre outras.
A escrita linear e fonética como conhecemos no ocidente, contudo, admite-se ser especialmente processada no hemisfério cerebral esquerdo (de acordo com os mesmos modelos conceituais do funcionamento cerebral). Esse hemisfério é tido como responsável pelas competências de análise, pensamento lógico e racional, raciocínio seqüencial e dedutivo.
Longe de acreditar que algum desses estilos de processamento cerebral seja melhor que o outro, creio que possuí-los ambos ativados em funcionamento coordenado e podermos usufruir a conjugação de suas qualidades de acordo com as necessidades é a melhor das alternativas. Assim sendo, gostaria de prosseguir nessa reflexão com três idéias ainda importantes.
A primeira delas diz respeito a uma importante descoberta científica, em parte, relacionada com nosso artigo e diretamente com o aumento de capacidade cerebral. A grande descoberta é que o cérebro humano, muito diferente do que se acreditava no passado, cresce ao longo de toda a vida, desde que devidamente estimulado! Existe em nosso cérebro uma camada de células nervosas (astrócitos) em estado semiadormecido ou "germinal" que, ativados por determinados hormônios, se transformam em neurônios e estabelecem novas conexões nervosas (axônios)!
Aquela antiga história que diziam que os nossos neurônios possuem quantidade definida e decrescente ao longo da vida, já faz parte da história da ciência! Além disso, em nossa medula óssea existem as chamadas células tronco (células jovens) cuja grande versatilidade permite que se transformem ou adquiram as qualidades de qualquer outra célula específica de nosso organismo como se fossem "curingas".
Bem, descobriram ainda que existem três categorias de estímulos que promovem a liberação daqueles hormônios responsáveis pelo desenvolvimento e aumento dos neurônios e, portanto, de nossa capacidade de estabelecer novos 'arquivos de memórias' e, por fim, um aumento de nossa capacidade de aprendizado e armazenagem de conhecimentos. São eles: a curiosidade, os estímulos do ambiente e o movimento corporal!
Tudo aquilo que nos maravilha, nos excita ou nos surpreende, nos desperta o interesse e a curiosidade de um modo geral, libera em nosso sangue tais hormônios que ativam neurônios em estado potencial. E você bem conhece quais são as sensações e sentimentos correspondentes a esse estado interior! Todas aquelas situações de vida que nos fazem mudar de idéia, de sentimento, de atitude ou de hábito, também promovem o aumento de massa de nosso cérebro. E, finalmente, todos aqueles novos movimentos, padrões de equilíbrio, coordenações motoras de gestos e movimentos ou percepções corporais e sensações, também, da mesma forma, produzem as mesmas substâncias responsáveis pelo nascimento de novos neurônios e aumento de capacidade mental correspondente!
Portanto, se você estiver em busca de melhores competências de aprendizagem, mais flexibilidade e maior disponibilidade para lidar com as novidades do mundo, aqui vão algumas dicas: busque novas habilidades (as mais diversas), aprendizados, situações e ambientes permanentemente! Pessoas com essas características ou temperamento constituem apenas cinco por cento da população e, normalmente, são responsáveis pelo desenvolvimento do conhecimento e pelas transformações da humanidade, permanecendo na vanguarda de sua época. Outros quinze por cento correspondem àqueles que se movem em direção ao novo apenas quando os líderes de sua época já garantiram a segurança das novidades... Os oitenta por cento restantes são aqueles com temperamento conservador e acomodado, somente serão impelidos às mudanças criadas no mundo por necessidade, quando os vinte por cento iniciais já tiverem construído um mundo novo. Reflita sobre o fenômeno da Internet ou o advento do computador pessoal para comprovar esse fenômeno.
Levando-se tudo isso em conta, quero agora apresentar um caso que considero bastante curioso que tive oportunidade de acompanhar, será um bom exemplo de uma abordagem sistêmica e estratégica do comportamento humano. É sobre um conhecido, chefe de família com dois filhos adolescentes, com aproximadamente quarenta e cinco anos na época (início da década de 90), sendo que sua esposa tinha aproximadamente dez anos a menos. Bem, certa vez ela desenvolveu uma inflamação crônica na cabeça do fêmur de uma das pernas que a estava impossibilitando de ter uma vida normal, de caminhar e de deitar e dormir confortavelmente. Esse drama já a tinha levado a se consultar com vários médicos e especialistas diferentes ao longo de seis meses, e nenhum resultado ou melhora diagnosticado, pelo contrário, o quadro clínico piorava progressivamente!
Quando esse conhecido contou-me o problema e o quanto interferia na vida da família, resolvi ajudar embora não seja médico ou curandeiro! Primeiramente, contei-lhe algumas histórias sobre a evolução da ciência, os seus limites (isto é, quando alguém lhe diz que não é possível, lembre-se sempre que esta pessoa está falando de sua ignorância, de seus próprios limites e incapacidades!) e a construção do conhecimento - meu objetivo era obter dele uma atitude adequada e prepara-lo para aceitar algo que não compreendesse, conquistando sua confiança para aceitar a minha proposta. Pedi então, que experimentasse, pelo menos a título de curiosidade, a minha sugestão aparentemente bastante obtusa: sugeri que trocasse de lugar com sua esposa na cama em que dormiam! Ele achou muito estranho, mas não custaria nada tentar...
Bem, encontrei-me novamente com ele dois ou três meses depois e ele me contou que em menos de três semanas os sintomas de sua esposa tinham desaparecido, sem nenhum outro tratamento além de seguir o meu conselho! Ela estava curada. Mágica? Não, uma compreensão um pouco mais completa da dinâmica do comportamento humano! Minha hipótese original era que sua esposa era uma mulher mais jovem, muito bonita e ele, mais velho e muito estressado, já estava numa fase de vida freqüentemente de menor interesse sexual (admite-se que o ápice do interesse sexual masculino esteja entre os vinte e trinta anos, enquanto o feminino normalmente está entre trinta e quarenta anos), sendo que me dissera anteriormente que ele dormia do lado esquerdo da cama virado para o mesmo lado, isto é, de costas para ela!
Na época não havia interesse em explicar-lhes as razões de meu conselho um tanto estranho, mas ao seguirem-no, puderam colher os resultados de sua tentativa e atestar a verdade parcial de minha hipótese. Infelizmente não creio que minha solução fosse definitiva, exceto se, a partir dessa pequena mudança, esse casal tivesse aprendido algo de realmente novo e, quem sabe, efetuado as verdadeiras mudanças que essa família necessitava. Caso contrário, tal sintoma (a inflamação na cabeça do fêmur) certamente se deslocaria para outro lugar, de uma forma diversa, mantendo sua função de permanecer como um mecanismo de controle daquelas tensões e comportamentos familiares. Perdi o contato com eles quando se mudaram de cidade, assim não pude acompanhar os resultados num período maior.
Evidentemente, essa não é uma fórmula simples, porém, quando desejamos promover alguma alteração em algum mau hábito, vício ou condicionamento, esse mecanismo pode auxiliar: acrescentar a eles um comportamento estranho ao automatismo. Recentemente aconselhei um jovem instrutor que desejava se livrar do vício de finalizar suas frases com a palavra 'né?', sugeri a ele exercitar falar duas vezes a palavra 'né' de cada vez no lugar de se esforçar por elimina-lo! Essa abordagem chama-se prescrição do sintoma, um poderoso artifício de mudança de condicionamentos quando adequadamente utilizado!
Enfim, esse último exemplo é importante para enfatizar que uma compreensão sistêmica pode indicar soluções aparentemente ilógicas, enquanto não compreendermos a multidimensionalidade da experiência humana, ou seja, que a realidade é estruturada simultaneamente em diferentes níveis de motivações, intenções e ações. Além disso, certamente não havia uma solução única, mesmo levando em conta que os tratamentos médicos convencionais tivessem falhado. Diferente de mudar de local na cama, outros procedimentos em um processo psicoterapêutico poderiam ter promovido a cura, pois o sintoma chamado de inflamação e dor na perna não era de fato o problema do casal, mas sim, sua solução inconsciente para equacionar aquele momento de vida!
Assim, para encerrarmos essa reflexão, gostaria de deixar as seguintes considerações: numa abordagem sistêmica ou holística, as relações causais, além de serem mais complexas, dada a relevância de muitas outras variáveis ignoradas numa compreensão lógica e simples [sintoma/eliminar sintoma], podem ser completamente invertidas: o sintoma era a solução ignorada! Enfim, esse raciocínio serve para mostrar que não devemos tirar conclusões precipitadas nem buscar respostas únicas, o que, por si só, contribui muito para desenvolvermos nossa intuição e a habilidade de enxergar através da realidade dos fatos. E essas habilidades são instrumentos importantes para conseguirmos pensar de uma forma sistêmica ou holística.
Conclusão
Embora tanto a história da ciência quanto do conhecimento estejam repletas de exemplos de choques (às vezes violentos, como a condenação de visionários em vários momentos da humanidade, especialmente na Inquisição) entre gerações de paradigmas novos e revolucionários disputando território com os velhos e obsoletos, parece que muitos cientistas e pessoas em geral, ainda não aprenderam a manter uma postura imparcial, flexível e de mente aberta para analisar novas soluções e possibilidades.
Creio que isso aconteça também porque, embora a tecnologia tenha se desenvolvido incrivelmente nesse último século, a educação e o comportamento humano ainda não foram contemplados com o seu mesmo grau de amadurecimento e evolução. A compreensão e a cultura ocidental também ainda não adquiriram a serenidade e o respeito de uma mente afiada e um coração maduro... Porém, creio que em breve, graças à própria tecnologia, tais conhecimentos e atitudes sejam mais difundidos, então, velhos vilões, tais como os medos das mudanças, de errar ou de perder, serão naturalmente substituídos por valores mais adequados ao mundo contemporâneo.
Sugestões
Para adquirir a flexibilidade adequada que nos permita conviver com revoluções, aceitar mudanças e promover transformações, creio que uma atitude de eterno aprendiz seja bastante saudável. Nesse sentido, um dos melhores exemplos que tive foi de um mestre que, a cada seis meses, buscava aprender um novo esporte ou atividade... Seus objetivos transcendiam o aprendizado por si só, isto é, não estavam na conquista das habilidades de alto nível, mas sim nos resultados de estar em permanente aprendizado e se submetendo a diferentes desafios ao longo de sua vida, o que certamente, promovia uma expansão mental e de suas capacidades, aumentando ainda mais sua velocidade de aprendizado, capacidades mentais e emocionais e sua flexibilidade.
Esse hábito de se submeter permanentemente a novas experiências, promover mudanças e deliberadamente criar novas possibilidades pode não apenas nos proporcionar um conhecimento mais amplo e mais sabedoria, mas também contribui para construir a importante atitude do desprendimento do que possa ser antigo ou inútil.
Para aqueles que estão se iniciando na prática, compreensão ou aprendizados do Pensamento Sistêmico, pode ser útil conhecer um tipo específico de "ferramenta" de desenvolvimento da habilidade de organizar, registrar, sintetizar e, até mesmo, memorizar informações, chamada de Mapas Mentais. Essa metodologia de anotações contribui significativamente para uma mudança de hábitos de pensamento e expressão da linguagem escrita.
Sugestões para leitura
O Universo Autoconsciente - Amit Goswami
A Teia da Vida - Fritjof Capra
Para Viver os Mitos - Joseph Campbell
Universo e um Dragão Verde: História Cósmica da Criação - Brian Swimme
Sabedoria Incomum - Fritjof Capra
Mapping Inner Space - Nancy Margullies
Use Both Sides of Your Brain - Tony Buzan
A Quinta Disciplina - Peter Senge
A Conspiração Aquariana - Marilyn Ferguson
Seminários Didáticos com Milton Hudson Erickson - Jeffrey K. Zeig
Caos - James Gleick
Os Problemas são a Solução
- Coleção Histórias que Libertam - Walther Hermann
Motivação Poderosa - Coleção Histórias que Libertam - Walther Hermann
Transformações e Soluções Criativas
- Coleção Histórias que Libertam - Walther Hermann




      DAVID BOHM



Poderíamos imaginar o místico como alguém em contato com as espantosas profundezas da matéria ou da mente sutil, não importa o nome que lhes atribuamos.

(David Bohm)

Físico norte-americano, David Bohm foi aluno de J. Robert Oppenheimer e durante a Segunda Guerra Mundial estudou os efeitos do plasma nos campos magnéticos, e trabalhou para o desenvolvimento da bomba atômica. Trabalhou também com Einstein, na Universidade de Princeton. Suas contribuições para a física, principalmente na área da mecânica quântica e teoria da relatividade, foram significativas. Ainda como estudante de pós-graduação em Berkeley, chegou a uma teoria que desempenha papel importante nos estudos da fusão – fenômeno hoje conhecido como "difusão de Bohm". Seu primeiro livro, Teoria quântica, publicado em 1951, foi considerado por Einstein a exposição mais clara que ele já havia visto sobre o assunto.
Em colaboração com Karl Pribram, neurocientista de Stanford, estabeleceu a fundamentação para a teoria de que o cérebro funciona de forma similar a um holograma, segundo princípios matemáticos e padrões de ondas.
As visões científica e filosófica e Bohm são inseparáveis. Em 1959, lendo um livro do filósofo indiano Krishnamurti, realizou o quanto suas próprias idéis sobre mecânica quântica se fundiam com as idéias filosóficas de Krishnamurti, com que atou uma forte amizade. Juntos, promoveram palestras e debates sobre assuntos importantes e que depois foram publicados em livros. Em seu livro Totalidade e Ordem Implícita, de 1980, trouxe a teoria sobre as variáveis ocultas e a interpretação superficial da mecânica Quântica, propondo que uma ordem oculta atua sob aparente caos e falta de continuidade das partículas individuais de matéria descritas pela mecânica quântica. Bohm, a exemplo de Einstein, mas por razões diferentes, nunca aceitou as interpretações correntes da teoria quântica.


A Teoria da Ordem Implícita
A idéia básica da ordem implícita: "Em geral, a totalidade da ordem abrangente não pode se tornar manifesta para nós; somente um certo aspecto dela se manifesta. Quando trazemos essa ordem abrangente para o aspecto manifesto, temos uma experiência de percepção. Mas isso não quer dizer que a totalidade da ordem seja apenas aquilo que se manifesta. Na visão cartesiana, a totalidade da ordem, pelo menos potencialmente, é manifesta, embora não saibamos como manifesta-la por nós mesmos. Precisaríamos de microscópios, telescópios e outros instrumentos mais".
A sugestão básica da teoria de Bohm, de início, é a de que vivemos num mundo multidimensional e a nossa moradia está situada no nível mais óbvio e superficial: o mundo tridimensional dos objetos, espaço-tempo, ou seja, na ORDEM EXPLÍCITA. Neste nível, explica Bohm, "a matéria é de graduação densa, e embora possa ser descrita em relação a si mesma, não é a maneira de explicá-la e entendê-la com clareza. Infelizmente, nesse nível, é que muitos físicos trabalham hoje em dia, apresentando suas descobertas na forma de equação de significado obscuro".
Então, o que fazer? Bohm indica o caminho: avançar para um nível mais profundo, para a ORDEM IMPLÍCITA, a fonte ou fundo abrangente de toda a nossa experiência física, psicológica e espiritual. Esta fonte está situada numa dimensão de extrema sutileza, ou seja, na ORDEM SUPERIMPLÍCITA. E não termina aí, pois além dela pode-se postular muitas ordens semelhantes "mergulhando numa fonte ou esfera infinita n-dimensional". A filósofa Renèe Weer perguntou a Bohm em entrevista se isso ocorreria como na teoria de campo de Einstein. Bohm respondeu: "Na ordem implícita, não somente lidamos sempre com o todo (como faz a teoria de campo), mas também dizemos que as conexões do todo nada têm a ver com a localização no espaço e no tempo, mas com uma qualidade inteiramente diversa, denominada abrangência". A entrevistadora pediu maiores explicações: "em outras palavras, o importante é inexistência de locais de cruzamento ou travessia?", perguntou ela. A resposta de Bohm: "Nos modelos antigos, ou uma partícula cruza um lugar, ou uma força ou campo de energia cruza esse lugar; portanto, do ponto de vista da ordem implícita, não vemos distinção fundamental entre Einstein e Newton. Dizemos que são diferentes, mas ambos diferem na mesma medida da ordem implícita".

O Holomovimento
Ao fundo vasto e dinâmico desta teoria, Bohm chamou Holomovimento. Segundo Bohm, o holomovimento está situado na esfera do que é manifesto. O movimento básico do holomovimento é o recolhimento e o desdobramento.
"Afirmo que toda a existência é, basicamente, um holomovimento que se manifesta numa forma relativamente estável"




Bohm explica que o fluxo está, pelo menos, numa condição de equilíbrio "fechando-se como vórtice que se fecha sobre si mesmo, embora continue a mover-se". A entrevistadora quis saber mais:
- O senhor disse que essas seriam formas mais densas de matéria e não mais sutis ou menos estáveis.
Bohm: "Digamos que são formas mais estáveis de matéria. Veja, até a nuvem conserva uma forma estável, de modo a ser vista como uma manifestação do movimento do vento. Da mesma maneira, a matéria como que formaria nuvens no interior do holomovimento e elas manifestariam o holomovimento aos nossos sentidos e pensamentos comuns".
- Seriam todas as entidades e... nós mesmos, com todas as nossas faculdades, formas do holomovimento?
Bohm: "Sim, e também as células, os átomos. Acrescento que isso começa a favorecer a compreensão da mecânica quântica: esse desdobramento constitui uma idéia direta do que é entendido pela matemática da mecânica quântica. Estamos falando precisamente sobre o que é chamado de transformação unitária ou descrição matemática básica do movimento na mecânica quântica. Trata-se simplesmente da descrição matemática do holomovimento".
Você não vê o vento, apenas os efeitos do vento

(Robert Kirshner)

Relação entre o Holomovimento e a Matemática da Moderna Teoria Quântica
Bohm: "A matemática moderna da teoria quântica considera a partícula como um estado quantizado do campo, isto é, um campo espalhado no espaço, mas, de alguma forma misteriosa, dotado de um quantum de energia. Cada onda do campo apresenta um certo quantum de energia proporcional à sua freqüência. Considerando-se o campo eletromagnético no espaço vazio, por exemplo, verá que cada ponto possui aquilo que se chama energia em ponto zero, abaixo do qual não pode descer, mesmo não havendo energia disponível. Se se pudesse juntar todas as ondas em uma região qualquer, se descobriria que estão dotadas de uma quantidade infinita de energia já que é possível um número infinito de ondas. Entretanto, talvez se esteja certo em supor que a energia não pode ser infinita, que não é possível continuar adicionando infinitamente ondas cada vez mais curtas, cada qual contribuindo para a energia. Deverá haver uma onda de comprimento mínimo, caso em que o número total de ondas saia finito, como finita também seria a energia.
Qual seria o comprimento mínimo? Parece existir razão para suspeitar que a teoria gravitacional será capaz de proporcioná-lo, de acordo com a relatividade geral, o campo gravitacional também determina a significação de comprimento e mensuração. Quando afirmamos que o campo gravitacional é constituído de ondas quantizadas dessa forma, descobre-se que existe um determinado comprimento abaixo do qual o campo gravitacional se tornaria indefinível em virtude do movimento em ponto zero; não se poderia, então, definir o comprimento. Assim, pode-se afirmar que a propriedade da mensuração, o comprimento, desaparece a curtas distâncias, num local em torno de 10-33 cm. É uma distância bem pequena, pois as distâncias mais curtas que os físicos demonstraram são de 10-16 cm, mais ou menos, ou seja, um longo caminho a percorrer. Caso se avaliasse a quantidade de energia no espaço, com essa onda de comprimento mínimo, concluir-se-ia que a energia existente num centímetro cúbico ultrapassa e muito a energia total da matéria conhecida no universo. Como entender tal coisa?
A teoria moderna afirma que o vácuo contém toda a energia até então ignorada (pelos físicos) por não poder ser mensurada por instrumentos. Ora, nos termos da filosofia, apenas o que pode ser mensurado por instrumentos dever ser considerado real, em que pese o fato de alguns físicos informarem a existência de partículas absolutamente não-mensuráveis por qualquer instrumento. Só o que se pode dizer é que o atual estágio da física teórica implica a aceitação de que o espaço vazio possui essa energia, sendo a matéria tão somente um pequenino desdobramento dela. Assim, a matéria não passa de uma minúscula onda nesse portentoso oceano de energia, embora dotada de relativa estabilidade e revestida de caráter manifesto. Adianto, pois, que a ordem implícita aponta para uma realidade que ultrapassa de muito aquilo que denominamos matéria. A matéria é apenas uma ondazinha nesse contexto (...) Nesse oceano de energia, precisamente, que não está primordialmente no tempo e no espaço, mas na ordem implícita (...) Não manifesta. E pode manifestar-se nessa pequenina porção de matéria (...) Supõe-se que a fonte última é imensurável, fora do alcance de nosso conhecimento. São estes os termos da física contemporânea."
Bohm faz uma importante descoberta, esclarecendo como a energia que emana do TODO, da ordem implícita, pode assumir aspectos diferentes em indivíduos diferentes. Ele esclarece as dúvidas dizendo que "o Todo é enriquecido pela introdução da diversidade e pela realização da unidade da diversidade (...) A individualidade só é possível enquanto desdobramento do todo. Seria ela, então, um egocentrismo?" O cientista-filósofo afirma que o egocentrismo não pode ser confundido com individualidade, o primeiro é baseado na auto-imagem, um erro, uma ilusão. A segunda desdobra-se a partir do todo de maneira particular e num momento particular".

A Evolução
A natureza, sob determinados aspectos, cria através da evolução. Bohm já havia manifestado, na sua teoria, assertivas que nos lembram muito a filosofia budista:
"Somos capazes de ordenar o que fazemos. Podemos desempenhar um papel funcional na produção de uma ordem superior, que seria inviável sem nós. Não apenas a modificamos levemente, mas, principalmente, embora provoquemos minúsculas mudanças no todo, isso é crucial para que essa ordem possa transformar-se em algo novo, capaz de por em ação o seu potencial... Somos parte do movimento, não há separação entre eu e ele; somos parte da maneira com que se molda a si próprio."

O Gênesis – A Criação do Universo
"A idéia atual do universo pode representar algum estágio de um universo maior, um universo de luz. Até onde podemos perceber, esse universo de luz é eterno. Entretanto, a certa altura, alguns desses raios luminosos se juntaram e produziram a grande explosão – o Big-Bang. Isso desencadeou o nosso universo, que também terá um fim".
O cientista especifica onde está situado este universo luminoso – além do tempo – o que pode significar que existam outros universos além do nosso, com várias idades, várias eternidades e, necessariamente, não serão sucessivos.
Descartes, na física, vê o movimento como sendo uma entidade ou qualquer coisa que se mova de um ponto a outro. O holomovimento de Bohm não concorda com o pensamento cartesiano, o seu holomovimento é MANIFESTAÇÃO e NÃO-MANIFESTAÇÃO. Nele, a ordem implícita se torna manifesta e não-manifesta, e assim por diante.
Algo que nos lembra a filosofia hindu da Criação...
As pessoas intuem uma forma de inteligência que, no passado, organizou o universo, e a personalizam chamando-a Deus
(David Bohm)

O Universo Pensa? Criação e Seleção
"Sendo a ordem explícita – o universo de luz – a FONTE de toda a manifestação, podemos supor que, talvez, o universo PENSA, ou algo assim (...) O universo tenta uma variedade de formas. A seleção natural explica como as coisas sobrevivem depois de sua emergência ou aparição, mas não explica porque tantas formas surgiram. Parece existir uma tendência em produzir formas e estruturas, sendo a sobrevivência ou seleção natural um mero mecanismo que escolhe as formas destinadas a durar. Toda forma incompatível consigo mesma ou com o meio ambiente está fadada ao desaparecimento. Penso que o universo aprende."
Algo que nos lembra a Teoria das Idéias de Platão, onde o universo seria o Demiurgo...

A Produção de Formas
"Observando a natureza, veremos que formas elaboradas e complexas não podem ser explicadas pela mera exigência da sobrevivência. Se nossa noção de tempo postula a criatividade de cada momento, então, a todo o momento, é possível que surjam novas estruturas, coexistindo com algumas antigas. Podemos então dizer que a natureza está constantemente explorando novas estruturas de maneira intencional, e, quando estas se mostram capazes de sobreviver (mediante processo de reprodução), tomam corpo e se tornam estáveis".
"A semente: energia e nutrientes vêm do sol, do ar, da terra, da água e do vento, mas a própria semente tem pouquíssima energia. No entanto, possui a forma da planta e essa minúscula energia ou forma se imprime em todos os outros fatores para produzir a planta. Essa pitada de energia governa, de algum modo, o desenvolvimento subseqüente, de modo que o sistema inteiro se destina à produção e uma planta e não de um cão, de um gato ou de outra coisa qualquer... Pensamento e matéria são ordens muito parecidas. Podemos dizer que a natureza ou a matéria também é criatividade e pensamento intuitivo. Assim, num certo sentido, a natureza tem vida. E inteligência. Ela é mental e material, como nós. Se alguém é percebido como inimigo, a matéria se organiza de maneira diferente do que o faria caso se tratasse da percepção de alguém amistoso. O elétron faz praticamente o mesmo que nós, ao reagir a determinada situação. Ele observa o ambiente."
Dá uma olhada nesse post...

A matéria
Bohm, falando sobre a metáfora existente no misticismo (iluminado, iluminação, fez-se a luz):
"Quando um objeto se aproxima da velocidade da luz, segundo a relatividade, seu espaço interno e seu tempo interno mudam; o relógio se atrasa em relação a outras velocidades e a distância é encurtada. Descobre-se que as duas extremidades do raio luminoso não guardam tempo ou distância entre si, representando conseqüentemente um contato imediato (esclarecido pelo físico G. N. Lewis nos anos 20). No ponto de vista da moderna teoria de campo, os campos fundamentais são os dotados de energia superior, em que a massa pode ser negligenciada; eles poderiam se mover à velocidade da luz. A massa é um fenômeno originado da conexão dos raios luminosos em seu avanço e recuo, uma espécie de consolidação num dado esquema. Então, é como se a matéria fosse luz consolidada, congelada. A matéria não se constitui apenas de ondas eletromagnéticas, mas, num certo sentido, de outros tipos de ondas que avançam à mesma velocidade. Portanto, toda a matéria é condensação de luz em esquemas que avançam e recuam a velocidades médias, inferiores à da luz. O próprio Einstein teve vislumbres dessa idéia. Diríamos que vir à luz, significa assumir a atividade fundamental onde a existência se embasa, ou, pelo menos, aproximar-se disso. A luz é o meio através do qual o universo inteiro se concentra em si mesmo... É uma condição real, pelo menos no quadro da física... A luz é energia, informação. Conteúdo, forma e estrutura. É o potencial de tudo".

A física
"A física moderna não passa de um sistema destinado a computar e fornecer resultados empíricos. De fato, considero que toda a idéia nova deve pressupor o livre jogo da mente, sem demasiada consideração pelos resultados empíricos".
Bohm acreditava na consciência como algo não separado da matéria e do processo neurofisiológico. Perguntado se os físicos convencionais aceitariam a sua teoria, Bohm respondeu – "Eles já aceitaram", mas acrescentou também que eles diziam-lhe o seguinte: "Para que serve? Não produz nada diferente daquilo que já fizemos. Só nos interessam resultados empíricos. Levaremos isso em consideração quando começar a fazê-lo, levaremos tudo em consideração".
O físico lamentou então "um dos erros da ciência", também os estendendo à nossa sociedade: "O resultado empírico como principal objetivo é o que se apresenta como verdade, desde que tenha por trás de si argumento lógico-matemático".
"O ensino da física decaiu muito; foi se tornando cada vez mais dogmático e mecânico, o que é lamentável. Todas as questões candentes dos anos 30 se desvaneceram completamente. O que se faz hoje é apresentar fórmulas aos estudantes e declarar: 'Isso é a mecânica quântica'. E assim a nova geração vai escrevendo livros sem uma base sólida, esquecendo as profundas questões filosóficas que sempre foram o sustentáculo da abordagem total da física".

Além de clara e profunda, a teoria de Bohm tem o mérito de poder ser considerada a primeira, em todos os tempos, a revelar e provar no plano científico algumas verdades seculares que até então podiam apenas ser aceitas e compreendidas pela fé
(Eduardo C. Borgonovi)

Bibliografia:

· Diálogos com Cientistas e Sábios –Renèe Weber ed. Cultrix
· O livro das Revelações – Eduardo Castor Borgonovi – ed. Alegro
· Krishnamurti, & D. Bohm – Truth and Actuality – Victor Gollanez Ltd.
· A Totalidade e a Ordem Implicada – David Bohm – São Paulo – Cultrix.


      Estamos em meio a uma grande mudança mundial, não só de paradigmas, mas, de percepção.

      Aliás, vivemos períodos de mudanças em todos os sentidos e devemos nos preparar para isso.